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segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Alice no País das Maravilhas




Como vão vocês? Cheirosos?
Dizem que muitos escritores tem ideias durante o banho, mas eu acho que deve ser bem difícil anotá-las debaixo do chuveiro. Ah, olha só, um bloco de notas à prova d'agua!

Nossa, eles inventam de tudo, hein?

E por que estou falando disso quando deveria estar falando do livro? Ora, porque a sensação que eu tive ao ler Alice foi exatamente essa: uma sucessão de divagações loucas e sem nexo até que a coisa fica realmente interessante.

Não me apedrejem ainda, por favor...

As aventuras de Alice no País das Maravilhas (ou Alice no País das Maravilhas, como foi chamado em edições posteriores) é um livro de fantasia de 1865, escrito pelo matemático Charles Lutwidge Dodgson, sob o pseudônimo de Lewis Carroll, também conhecido como "aquele escritor que tirava fotos de menininhas nuas"...



E que, muito provavelmente, tomava chá com ópio

Piadas à parte, é um pouco complicado taxá-lo como pedófilo, visto que este era um costume relativamente comum para a sociedade vitoriana, que via a nudez infantil como uma expressão de inocência. Mas também é difícil ignorar o teor um tanto romântico das cartas que ele escrevia à Alice Liddell, a garotinha de 10 anos que teria inspirado sua personagem icônica. A amizade com ela foi interrompida pela mãe de Alice, o que contribui para a visão de que tinha algo de podre no reino da Dinamarca. Fato é, não existem provas conclusivas de que ele tenha abusado sexualmente dela ou de nenhuma garota.
 
Sendo assim, talvez seja melhor deixarmos essas especulações de lado e falar de outras coisas perturbadoras, como essa ilustração:



 

Sinceramente, quem foi que pensou "Ah, essa é uma boa gravura para um livro infantil". MEU DEUS... Mas que...



E quanto menos soubermos das adaptações, melhor...

Interessante notar que O mágico de Oz foi publicado em 1900, ou seja, apenas 35 anos depois de Alice. E O Sítio do Picapau Amarelo foi lançado logo em 1920. E o que isso significa?

Nada, eu só queria ver se vocês estavam mesmo prestando atenção.

Falando sério, em semelhanças esses três livros infantis se destacam por não terem uma "lição de moral" definidinha ao fim da história, o que não quer dizer que eles não tenham algumas mensagens, é claro. Mas, diferente destes outros, Alice é um livro de fantasias para crianças e um livro de enigmas para os adultos. Contrariando todas as leis da lógica social, Lewis Carroll além de escritor era também um matemático e encheu seu livro de brincadeiras e paródias que só pessoas que não são de humanas iriam entender. Sendo assim, eu não faço nem ideia de que enigmas sejam esses, então não perguntem.

Tudo o que eu sei é que Carroll não gostava das ideias dos jovens matemáticos da Christ Church College em Oxford. Coisas radicais como números imaginários e toda aquela merda de álgebra e polinômios que não fazem diferença nenhuma pras nossas vidas. Sendo um seguidor da velha escola da matemática concreta, o puritano Charles Dodgson sentia-se deslocado na faculdade, temendo que essas novas ideias sobre raíz quadrada de -1 pudessem levá-lo diretamente para Satanás.


Chernabog, observando você resolver uma raíz biquadrada e sorrindo por dentro

Alice no País das Maravilhas seria portanto uma paródia elaborada sobre um matemático concreto indo parar num mundo onde nada faz sentido, ou seja, todas as aulas de matemática a partir da quinta série. Teria ele alguma razão nisso? É o que vamos descobrir.




O livro começa com Alice sentada numa ribanceira ao lado da irmã mais velha, que lê algo que, pela descrição pode ser qualquer coisa. "Espiara uma ou duas vezes o livro que estava lendo, mas não tinha figuras nem diálogos, "e de que serve um livro", pensou Alice, "sem figuras nem diálogos?" "

"Algum tempo depois, ela lançaria um sucesso editorial sem precedentes"

Sentindo-se sonolenta, ela vê um coelho branco de olhos cor-de-rosa passar correndo:



"Não havia nada de tão extraordinário nisso; nem Alice achou assim tão esquisito ouvir o Coelho dizer consigo mesmo: “Ai, ai! Ai, ai! Vou chegar atrasado demais!” (quando pensou sobre isso mais tarde, ocorreu-lhe que deveria ter ficado espantada, mas na hora tudo pareceu muito natural); mas quando viu o Coelho tirar um relógio do bolso do colete e olhar as horas, e depois sair em disparada, Alice se levantou num pulo, porque constatou subitamente que nunca tinha visto antes um coelho com bolso de colete, nem com relógio para tirar de lá, e, ardendo de curiosidade, correu pela campina atrás dele, ainda a tempo de vê-lo se meter a toda a pressa numa grande toca de coelho debaixo da cerca."

Com a curiosidade de um hipster numa feira de antiguidades, Alice persegue o coelho até um poço, onde ela despenca. O poço é enorme e ela se sente "caindo no centro da terra".





Sem mais nada pra fazer enquanto cai, ela começa a fazer o que qualquer dono de gato faria nessa situação, que é imaginar como seu pet lidará com sua insuportável ausência.

"Pffft...Humanos tolos"

Finalmente, ela aterrissa num monte de gravetos e ao invés de entrar em pânico por estar num lugar desconhecido e provavelmente perdida para sempre, ela continua atrás do coelho, que corre mais que os acionistas durante a queda da bolsa. Ela chega num salão onde encontra várias portas, porém todas trancadas. Então, a menina topa com uma mesinha onde encontra uma chave, que abriria uma portinha do tamanho de um buraco de rato. Voltando à mesa, ela encontra uma garrafinha escrito "BEBA-ME", ao que ela obedece.  E todos sabemos o que o seu Madruga diria de uma atitude dessas:


Ignorando o PRE-RI-GO, Alice não morre envenenada ao tomar o líquido, mas sente gosto de uma  refeição completa e...

"Sempre falha na sobremesa"

Ao invés de inflar e ficar azul, ela apenas encolhe, salvando Roald Dahl de uma acusação de plágio.
Agora, com o tamanho certo, ela corre animada para a porta, quando percebe que esqueceu-se de pegar a chave...




Então ela descobre uma caixinha com um rótulo escrito COMA-ME, e outra vez ignorando os sábios conselhos de Don Ramón, ela come o bolo desconhecido que estava dentro da caixa, aumentando tanto de tamanho que não consegue nem mais enxergar os próprios pés.

Chateada, ela começa a chorar, e quando eu digo chorar, eu quero dizer lacrimejar a ponto de inundar o ambiente.




Sendo uma pessoa que chora até com casamentos, eu me identifico com essa cena mais do que gostaria.

" "Vamos, não adianta nada chorar assim!” disse Alice para si mesma, num tom um tanto áspero, “eu a aconselho a parar já!” Em geral dava conselhos muito bons para si mesma (embora raramente os seguisse), repreendendo-se de vez em quando tão severamente que ficava com lágrimas nos olhos [...]"

Suas lágrimas formam uma lagoa e ela avista o coelho correndo outra vez apressado, mas ao tentar pedir-lhe ajuda, ele escapa, deixando pra trás as luvas e um leque. Alice os recolhe e fica a refletir sobre sua própria identidade:

" "Ai, ai! Como tudo está esquisito hoje! E ontem as coisas aconteciam exatamente como de costume. Será que fui trocada durante a noite? Deixe-me pensar: eu era a mesma quando me levantei esta manhã? Tenho uma ligeira lembrança de que me senti um bocadinho diferente. Mas, se não sou a mesma, a próxima pergunta é: ‘Afinal de contas quem sou eu?’ Ah, este é o grande enigma!” E começou a pensar em todas as crianças da sua idade que conhecia, para ver se poderia ter sido trocada por alguma delas."

Depois de muitas e muitas elucubrações desse tipo, ela percebe que outra vez mudou de tamanho, encolhendo até o tamanho da porta, mas dá um passo em falso em direção à lagoa, onde escapa de afogar se agarrando a um camundongo. Em retribuição a este por ter-lhe salvo a vida, Alice começa a tagarelar sobre Diná, sua gata.Afinal, que jeito melhor de agradecer seu salvador que assustando ele pra caralho?

O camundongo ainda a leva para a margem, onde eles encontram com uma série de outros bichos, entre eles o Dodô que coordena um ritual para que todos os animais molhados sequem, e ...

Aff... Sinceramente, eu comecei a ficar cansada do livro nesta parte. Não, na verdade foi na parte do estica e encolhe com a Alice, mas a este ponto eu não tenho muita escolha a não ser prosseguir, não é?

Ok, vamos resumir a coisa toda com o atalho de todo escritor cansado/preguiçoso: imagens!


Alice assiste a reunião para secagem do Dodô que não leva a nada e que na verdade é uma espécie de paródia para as reuniões entre líderes da época. Também serve bem para a atualidade.


Depois, ela segue o coelho até a casa dele, onde outra vez ela ignora o sábio e antigo preceito do Seu Madruga e come o bolo, aumentando de tamanho e tornando-se uma aberração tão horrenda ao ponto do coelho pensar em queimá-la com casa e tudo.




Alice felizmente encontra outro bolo e diminui de tamanho. Então ela encontra um cachorrinho muito fofo, mas com medo de que ele venha a devorá-la caso esteja pequena o suficiente para caber numa bocada, ela o distrai com um graveto e corre, encontrando a única lagarta azul com chances de desenvolver problemas pulmonares:



"" A LAGARTA E ALICE ficaram olhando uma para a outra algum tempo em silêncio. Finalmente a Lagarta tirou o narguilé da boca e se dirigiu a ela numa voz lânguida, sonolenta.
“Quem é você?” perguntou a Lagarta.
Não era um começo de conversa muito animador. Alice respondeu, meio encabulada: “Eu… eu mal sei, Sir, neste exato momento… pelo menos sei quem eu era quando me levantei esta manhã, mas acho que já passei por várias mudanças desde então.”

Essa é a parte que o pessoal mais cabeça gosta de citar, e também a mais usada por professores de filosofia pra ilustrar o conceito de identidade e o questionamento existencial que nos acompanha ao longo de nossas vidas. Sabe, aquela sensação de estar sentado (ou sentada) no sofá num domingo, coçando o umbigo e se perguntando como foi que chegamos a tal ponto das coisas?

Eu tenho certeza de que vocês já estão cansados de ouvir sobre isso no twitter, então dane-se.

A lagarta logo se cansa de Alice e vai embora, gritando a dica do cogumelo, pra ela ficar mais alta...Sim, essa foi uma piada boba sobre drogas. Porque um artigo sobre Alice no País das Maravilhas não começa realmente até que alguém mencione o consumo de substâncias alteradoras da consciência.

Antes que o Leão da Proerd aparecesse no lugar e arrastasse a cara dela no chão, Alice encontra a casa de uma tal Duquesa, que carrega um bebê que se parece com um porco. E que faz sons de porco... e também cheira como um...



"Quer dizer que ISTO NÃO É UM BEBÊ? EU DUVIDO, SENHOR!"





E essa Duquesa é uma puta mãe desnaturada, pois assim que a vê, joga o "bebê" em cima da Alice pra ir jogar croquê com a Rainha de Copas. E eu realmente não entendi essa história da pimenta...

Fato é que a Rainha de Copas é dita por muitos como sendo uma caricatura da rainha Vitória.




Que a propósito, adorou o livro.
E os súditos são baralhos de cartas não por acaso; eles cumprem todas as ordens esdrúxulas do rei e da rainha, que "jogam" com eles. Mas falarei disso daqui a pouco.

Alice sai da casa da Duquesa e encontra o gato de Cheshire numa árvore e tem um sobressalto:


"Essas ilustrações...elas queimam em minha mente!"

E o diálogo que se segue é este:

“Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para ir embora daqui?”
“Depende bastante de para onde quer ir”, respondeu o Gato.
“Não me importa muito para onde”, disse Alice.
“Então não importa que caminho tome”, disse o Gato.
“Contanto que eu chegue a algum lugar”, Alice acrescentou à guisa de explicação.
“Oh, isso você certamente vai conseguir”, afirmou o Gato, “desde que ande o bastante.”
Como isso lhe pareceu irrefutável, Alice tentou uma outra pergunta. “Que espécie de gente vive por aqui?”
“Naquela direção”, explicou o Gato, acenando com a pata direita, “vive um Chapeleiro; e naquela direção”, acenando com a outra pata, “vive uma Lebre de Março. Visite qual deles quiser: os dois são loucos.”
Mas não quero me meter com gente louca”, Alice observou.
“Oh! É inevitável”, disse o Gato; “somos todos loucos aqui. Eu sou louco. Você é louca.”
“Como sabe que sou louca?” perguntou Alice.
“Só pode ser”, respondeu o Gato, “ou não teria vindo parar aqui.”


"Droga, me dizem o mesmo em todas as redes sociais!"


O diálogo continua com o gato explicando a Alice como ele pode saber que ele mesmo é louco, e eu não vou colocar o diálogo aqui por que eu acho que vocês devem mesmo ler esse livro. Procura no google, tem pra baixar ou ler online em qualquer lugar, uma vez que ele caiu em domínio público há mais de um século.

Depois do gato assustá-la várias vezes sumindo e aparecendo, Alice decide seguir em direção a casa da Lebre de Março, onde encontra a cena que vem a cabeça de todo mundo quando pensa nessa história: a Lebre e o Chapeleiro tomando chá.





"EM FRENTE À CASA HAVIA UMA MESA posta sob uma árvore, e a Lebre de Março e o Chapeleiro estavam tomando chá; entre eles estava sentado um Caxinguelê, que dormia a sono solto, e os dois o usavam como almofada, descansando os cotovelos sobre ele e conversando por sobre sua cabeça. “Muito desconfortável para o Caxinguelê”, pensou Alice; “só que, como está dormindo, suponho que não se importa.”"


Pra quem não sabe, caxinguelê não é um camundongo, mas uma espécie de esquilo ou arganaz. Eu sempre achei que fosse um ratinho por causa da versão da Disney. Já a Lebre de Março tem esse nome porque dizia-se na Inglaterra que março era o mês das lebres agirem como loucas, por causa da reprodução.

Terminadas essas tangentes de biologia, tenho que dizer que esta é a melhor parte do livro. Nada do que eu escrever aqui fará jus a própria experiência de lê-lo.

Conversa vai conversa vem, a Lebre propõe uma advinha:

“Por que um corvo se parece com uma escrivaninha?”
“Oba, vou me divertir um pouco agora!” pensou Alice. “Que bom que tenham começado a propor adivinhações.” E acrescentou em voz alta: “Acho que posso matar esta.”
“Está sugerindo que pode achar a resposta?” perguntou a Lebre de Março.
“Exatamente isso”, declarou [...]."

Quando volta a perguntar sobre, eles respondem:
“Já decifrou o enigma?”, indagou o Chapeleiro, voltando-se de novo para Alice.
“Não, desisto”, Alice respondeu. “Qual é a resposta?”
“Não tenho a menor ideia”, disse o Chapeleiro.
“Nem eu”, disse a Lebre de Março.

Para aqueles que ficaram curiosos, há várias respostas possíveis e uma do próprio autor, que na minha opinião, não é tão engraçada. Vocês podem verificar neste artigo em inglês aqui, ou então passar o mouse sobre esta linha: R: "Porque Poe escreveu sobre os dois" é a minha resposta preferida. A resposta feita por Lewis Carrel é mais poética e menos engraçada:  "Because it can produce a few notes, tho they are very flat; and it is nevar put with the wrong end in front!" Ou traduzindo muito livremente: "Porque produz algumas notas, apesar delas serem planas (bemol); e ela é nunca (nevar) colocada ao contrário!"


 Alice suspirou, entediada. “Acho que vocês poderiam fazer alguma coisa melhor com o tempo”, disse, “do que gastá-lo com adivinhações que não têm resposta.”
O Chapeleiro então adverte que ela não deveria falar assim do tempo, visto o que aconteceu quando ele foi chamado a recitar para a Rainha de Copas:
"“Bem, eu mal acabara a primeira estrofe”, disse o Chapeleiro, “quando a Rainha deu um pulo e berrou: ‘Ele está matando o tempo! Cortem-lhe a cabeça!’”
“Terrivelmente cruel!” exclamou Alice.
“E desde aquele momento”, continuou o Chapeleiro, desolado, “ele não faz o que peço! Agora, são sempre seis horas.”
Alice teve uma ideia luminosa. “É por isso que há tanta louça de chá na mesa?” perguntou.
“É, é por isso”, suspirou o Chapeleiro; “é sempre hora do chá, e não temos tempo de lavar a louça nos intervalos.”"
 Após o que me parece a desculpa pra não lavar louça mais esfarrapada de todos os tempos, o caxinguelê conta uma história pra boi dormir que Alice interrompe a toda hora tentando encontrar sentido numa maluquice, igual aos youtubers tentando explicar como um filme do Rei Leão em live action pode ser chamado assim se não terá nenhum ator em cena. O bastardo do coelho branco aparece de novo e tem seu relógio trucidado pelos dois viciados em chá.

Por fim, Alice vai embora resumindo seus sentimentos sobre a coisa toda: "Foi o chá mais idiota de que participei em toda a minha vida!”
"Como essa imagem veio parar aqui?"

 Caminhando outra vez pelo corredor com a mesinha de vidro, Alice topa com um jardim encantador com fontes de água e um baralho de cartas pintando rosas:

""UMA GRANDE ROSEIRA CRESCIA junto à entrada do jardim; suas flores eram brancas, mas três jardineiros estavam à sua volta, pintando-as de vermelho. Alice achou aquilo curiosíssimo e se aproximou para observá-los;[...]

“Ora, o fato, Senhorita, é que aqui devia ter sido plantada uma roseira de rosas vermelhas, e plantamos uma de rosas brancas por engano; se a Rainha descobrir, todos nós teremos nossas cabeças cortadas. Assim, senhorita, estamos nos virando como podemos, antes que ela chegue…”"

As rosas poderiam ser uma referência à Guerra das Rosas (1455-1487), um conflito entre duas Casas cujos símbolos eram respectivamente uma rosa branca e uma vermelha. Pois é, ao contrário do que o seu coraçãozinho nerd pós-modernista acredita, George Martin não foi o primeiro a se inspirar nesse momento histórico.




"Depois vinham os convidados, na maioria Reis e Rainhas, e entre eles Alice reconheceu o Coelho Branco: falava depressa, nervosamente, sorria de tudo que era dito e passou sem a notar. Seguia-os o Valete de Copas, transportando a coroa do Rei numa almofada de veludo vermelho; e por fim, fechando esse grande cortejo, VIERAM O REI E A RAINHA DE COPAS."



A rainha ao ver toda aquela esbórnia, grita mais que a louca dos gatos, ordenando que cortem as cabeças.


"You will FLOAT TOO!!"

A verdade é que, mesmo com os habitantes do país das maravilhas temendo a rainha, ninguém nunca cumpre suas ordens. Isso porque, se formos pela teoria de que a rainha de Copas nada mais é do que uma caricatura da rainha Vitória, isso ilustra como o poder da monarca inglesa era limitado no sistema parlamentarista na Inglaterra do século XIX.

Logo a partida de croquet tem início e a rainha se distrai, esquecendo das execuções. Ela força Alice a entrar no jogo, sendo que as regras não fazem o menor sentido e sempre beneficiam a rainha. Então o gato de Cheshire aparece e, após conversar um pouco com Alice, manda o rei se fuder bem na cara dele. A partir daí, instaura-se o pandemônio  (sempre quis usar essa palavra):

"O ponto de vista do carrasco era que não se podia cortar uma cabeça fora a menos que houvesse um corpo do qual cortá-la; que nunca tinha feito coisa parecida antes e não ia começar naquela altura da sua vida.
O ponto de vista do Rei era que tudo que tinha cabeça podia ser decapitado, e que o resto era despautério.
O ponto de vista da Rainha era que, se não se tomasse uma medida a respeito imediatamente, mandaria executar todo mundo, sem exceção. (Foi esta última observação que deixou todo o grupo tão sério e preocupado.)"

"Let them fight..."


Disposta a salvar seu amigo, Alice sugere que chamem a Duquesa, que é sua dona. A velha caquética aparece e fica a encher o saco da garota com suas ladainhas que me lembram muitos dos vídeos de resenhas do youtube:

"Neste instante não posso lhe dizer qual é a moral disso, mas vou me lembrar daqui a pouquinho.”
“Talvez não tenha nenhuma”, Alice atreveu-se a observar.
“Ora, vamos, criança!” disse a Duquesa. “Tudo tem uma moral, é questão de saber encontrá-la.” E enquanto falava se achegou mais a Alice.
“É mesmo”, concordou a Duquesa, “e a moral disso é… ‘Oh, é o amor, é o amor que faz o mundo girar’.”
“Alguém disse”, Alice murmurou, “que ele gira quando cada um trata do que é da sua conta.”"

A Rainha de Copas fica puta por uma vez na vida não estar sendo o centro das atenções e manda a Duquesa evaporar antes que ela enfie a cabeça dela na própria bunda. A vaca obedece.





"Então a Rainha parou de jogar, completamente esbaforida, e perguntou a Alice: “Já esteve com a Tartaruga Falsa?”
“Não”, respondeu Alice. “Nem sei o que é uma Tartaruga Falsa.”
“É aquilo de que se faz a Sopa de Tartaruga Falsa”, explicou a Rainha.
“Nunca vi, nem ouvi falar disso”, disse Alice.
“Então venha”, chamou a Rainha, “e lhe contarei a história dela.”

Caralho, essa história não acaba... A filha da puta da rainha empurra Alice até uma caverna onde um grifo e a tal Tartaruga falsa ficam coçando o rabo o dia inteiro. Alice pergunta qual é a dela e o quelônio responde na forma mais lenta que você puder imaginar:



"“Antigamente”, disse a Tartaruga Falsa com um suspiro profundo, “eu era uma Tartaruga de verdade.”
Essas palavras foram seguidas por um silêncio muito longo, quebrado apenas por uma exclamação ocasional — “Hjcrrh!” — do Grifo e o soluçar constante e fundo da Tartaruga Falsa. Alice estava a ponto de se levantar e dizer “Muito obrigada, Sir, por sua interessante história”, mas, como não conseguia deixar de acreditar que tinha de vir mais alguma coisa, ficou quieta e não disse nada."

"Então,eu disse "estúpida", e ela comeu a minha cabeça..."

Sério, eu acho que quando o Lewis Carroll escreveu esse capítulo, ele o dedicou às duas tias solteironas e completamente chatas que ele devia ter, porque meu Deus, que velhas mocorongas. Elas começam a entediar a garota falando sobre suas vidas acadêmicas e Alice procede puxando assunto e perguntando o tipo de aulas que elas tinham:

"“Bem, tínhamos Histeria”, respondeu a Tartaruga Falsa, contando as matérias nas patas, “Histeria antiga e moderna, com Marografia; depois Desdém… o professor de Desdém era um congro velho, que ia lá uma vez por semana: ele nos ensinava a Desdenhar, Embolsar e Pingar a Alho.”

E quantas horas de aula você tinha por dia?” indagou Alice, aflita para mudar de assunto.
“Dez horas no primeiro dia”, disse a Tartaruga Falsa, “nove no seguinte, e assim por diante.”
“Que programa curioso!” exclamou Alice.
“Só assim você se prepara para uma carreira: aulas mais rápidas a cada dia”, observou o Grifo.
A ideia era inteiramente nova para Alice e ela refletiu um pouco a respeito antes de fazer mais uma observação: “Nesse caso, no décimo primeiro dia era feriado?”
“Claro que era”, disse a Tartaruga Falsa.
“E como se arranjavam no décimo segundo?” Alice insistiu, sôfrega.""

Aí, a Tartaruga muda de assunto completamente, falando de uma quadrilha de Lagostas, o que me soa muito apetitoso, mas infelizmente, é só uma dança bizonha. Alice faz seu melhor e despista as duas, voltando para o jogo de croquê, onde os participantes estão prestes a matarem uns aos outros porque alguém roubou umas tortas da Rainha. O rei ordena que se faça um julgamento e todos os presentes são forçados a testemunharem, inclusive Alice. E como no jogo, nenhuma regra ali faz sentido. Nesse meio tempo, Alice aumenta de tamanho subindo mais que a inflação ano passado, o que faz o rei dizer que por lei, ela devia estar fora do tribunal. Antes que possa dizer "Cala a boca, seu animal!", a Rainha diz que lhe dará a sentença, ao que Alice protesta.

""Não, não!” disse a Rainha. “Primeiro a sentença… depois o veredito.”
“Mas que absurdo!” Alice disse alto. “Que ideia, ter a sentença primeiro!”
“Cale a boca!” disse a Rainha, virando um pimentão.
“Não calo!” disse Alice.
“Cortem-lhe a cabeça!” berrou a Rainha. Ninguém se mexeu.
“Quem se importa com vocês?”, disse Alice (a essa altura, tinha chegado a seu tamanho normal). “Não passam de um baralho!”"

As cartas caem sobre ela, furiosas, e então:





Era tudo só um sonho! (Ah, que decepcionante...)






"[...] tentou repeli-los e se viu deitada na ribanceira, a cabeça no colo da irmã, que afastava delicadamente algumas folhas secas que haviam voejado das árvores até seu rosto.
“Acorde, Alice querida!” disse sua irmã. “Mas que sono comprido você dormiu!”
“Ah, tive um sonho tão curioso!” disse Alice, e contou à irmã, tanto quanto podia se lembrar delas, todas aquelas estranhas aventuras que tivera e que você acabou de ler; quando terminou, a irmã a beijou e disse: “Sem dúvida foi um sonho curioso, minha querida; agora vá correndo tomar o seu chá, está ficando tarde.” Alice então se levantou e saiu correndo, pensando, enquanto corria o mais rápido que podia, que sonho maravilhoso tinha sido aquele."

Dorothy e Alice num encontro que poderia acontecer, mas vocês fanfiqueiros, não colaboram.



"Ficou ali sentada, os olhos fechados, e quase acreditou estar no País das Maravilhas, embora soubesse que bastaria abri-los e tudo se transformaria em insípida realidade… a relva só farfalharia ao vento, e as águas da lagoa só se encrespariam ao ondular dos juncos… as xícaras de chá tilintantes se transformariam no tinir dos sinos das ovelhas, e os gritos agudos da Rainha na voz do pastorzinho… e os espirros do bebê, o guincho do Grifo, e todos os outros barulhos esquisitos se converteriam (ela sabia) no alarido do movimentado terreiro da fazenda… enquanto os mugidos do gado à distância iriam tomar o lugar dos soluços tristes da Tartaruga Falsa.

Por fim, imaginou como seria essa mesma irmãzinha quando, no futuro, fosse uma mulher adulta; e como conservaria, em seus anos maduros, o coração simples e amoroso de sua infância; e como iria reunir outras criancinhas à sua volta e tornar os olhos delas brilhantes e impacientes com muitas histórias estranhas, talvez até com o sonho do País das Maravilhas de tanto tempo atrás; e como iria sofrer com todas as mágoas simples dessas crianças, e encontrar prazer em todas as alegrias simples delas, lembrando sua própria vida de criança, e os dias felizes de verão."







Minhas considerações:

Pra ser sincera, mesmo com um artigo enorme como este, acho que não fiz justiça a esse livro. Existem muitos trocadilhos, metáforas e referências históricas, filosóficas e literárias que eu simplesmente não tive como pegar. Este é um livro que merece uma segunda leitura minha. Dentre várias interpretações, as que mais se destacam são as críticas de Carroll à sociedade Vitoriana, que por ser ultra-conservadora e moralista, incutia desde cedo nas crianças a tarefa de serem mini-adultos e se importarem demais com a opinião dos outros, algo que se refletia em muitas produções literárias da época. Alice é o  símbolo máximo da crítica a esse pensamento.

Apesar de toda a controvérsia envolvendo seu autor, posso dizer que aprecio as brincadeiras lógicas do livro, que, na minha opinião, são a maior razão pela qual ele provavelmente continuará sendo um marco atemporal na literatura.  

* Um adendo sobre o conservadorismo da Era Vitoriana: engraçado como eles achavam que as crianças tinham que agir como adultos sérios, ao mesmo tempo em que os retratos de crianças nuas eram exaltados como expressão da pureza e ingenuidade infantis, não? Não estou querendo dizer que os ingleses da Era Vitoriana eram mais hipócritas que outras sociedades, só acho curioso como na atualidade ocorre um fenômeno parecido: desqualifica-se a infância, ao mesmo tempo em que se exaltam as vantagens de ser criança. Tratam estudantes como pequenos adultos, que precisam se preocupar desde cedo com o vestibular e em votar com 16 anos.

Tudo bem se você tem uma visão diferente, mas eu considero sim, uma hipocrisia colocar responsabilidades de adulto nos ombros de uma criança e depois exigir que ela tenha uma atitude madura quando ela nem sequer viveu a infância a que tinha direito. 

E vocês, o que acham desse assunto? Já leram o livro? Quais foram suas conclusões a respeito? Comentem, discordem, o importante é participar de forma civilizada, é claro.

Ah, e aqui tem a coleção completa das pinturas feitas por Salvador Dalí com esse tema.


E para darmos um chute nos fundilhos de 2017 com chave de ouro, teremos resenha deste clássico que vocês com certeza saberão qual é só de olhar o gif:
"Você acha que vai decidir quem deve viver e quem deve morrer? [...] Santo Deus! É insuportável ter que ouvir o inseto na folha decidir que há vida demais entre seus irmãos esfomeados sobre o pó!" 

Aguardem, e até Dezembro!


Resenha de mangá: O marido do meu irmão

  Eu vinha escrevendo essa resenha desde agosto, mas só agora em outubro que eu consegui atualizar o blog... Pra vocês verem. Não sei se foi...