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quarta-feira, 28 de março de 2018

Melhores Personagens Femininas dos Livros!





(Arte de dandelion-s)


Como vão, meus lindos e minhas lindas? O mês está quase indo embora, mas como a minha força de vontade é quase ilimitada, senti que precisava escrever um artigo para não deixar Março passar em branco. E que ideia melhor para um artigo neste mês que um sobre as mulheres fictícias mais admiráveis do universo literário?

"Quer fazer média com as feminazis, né? Sempre soube que você era uma delas, sua esquerdista mal amada!"

"Ih, lá vem a biscoiteira, querendo escrever textinho empoderador no mês de março! Fascistas não passarão!"

Ãh-ãh..

Bom.






Há mais de cem anos, mulheres marcharam nos Estados Unidos e na Inglaterra, protestando pelo direito de votarem, por melhores condições de trabalho e por respeito e igualdade. Para serem tratadas como seres humanos. O dia 8 de março convencionou-se a ser o dia das mulheres, para relembrar o dia em que uma greve de operárias na Rússia acabou numa tragédia ao ser reprimida pelo czar.





Desde então, houve mudanças, melhoras, mas ainda há o Iraque, por exemplo, onde num clima de guerra e vigilância constantes, as mulheres são oprimidas por uma religião que as vê como incitadoras do pecado e cujas leis existem para colocá-las abaixo dos homens em todos os aspectos possíveis. Mulheres ainda são estupradas em praticamente qualquer país, ocidental ou oriental, e muitas vezes não podem nem sequer reclamar disso. E quando reclamam, ainda correm o risco de ouvirem "Ah, mas com essa saia, esse decote, estava pedindo".

Precisa dizer mais? O mundo é um lugar com sérios problemas, disso todo mundo sabe e concorda. Mas essa doença começa principalmente pela ignorância das pessoas.

"Ain, mas e daí? Você vai mudar o mundo falando de livros? Vai combater o machismo com um monte de baboseiras fictícias?"

Não, meus caros e minhas queridas. Livros não mudam o mundo, não combatem o preconceito sozinhos, mas pessoas fazem isso. E quer ver uma arma melhor pra uma pessoa fazer isso do que dar a ela conhecimento, dar a ela recursos pra entender o mundo em que ela vive e como ela pode virar o jogo? Dá um livro a ela. Leia. Pesquise as coisas, tenha curiosidade, não se conforme com o que a pessoas dizem, o que elas acham. Vai atrás. 

E para o machinho fazendo cara feiaporque "Pô, essa muié fica reclamando o dia inteiro, e os ômi como é que fica, porque os ômi também sofre, os ômi isso, os ômi aquilo..." Olha, meu senhor, fique à vontade pra sair do meu blog porque você é um imbecil que não entende, não consegue compreender que quando as pessoas falam de violência doméstica e de todos os abusos que elas já passaram nas mãos de homens, não é de você que elas estão falando, ok? E se a carapuça serviu tão bem assim, então talvez seja melhor rever seus conceitos, camarada. Por que na hora de reclamar que os homens morrem todos nas guerras e que não existe piedade para eles, tá tudo aí, mas na hora da pancadaria nos estádios, fica tudo louco pra cair na porrada, né? Defender a merda do time do coração enquanto a mãe tá em casa lavando as cuequinhas deles. Reclamam e ofendem as mulheres que abortam, mas ficam aí, dando conselho pro amiguinho aproveitar que a mulher está mais ferradinha na festa e comer mesmo, né? Vão pro inferno e pro caralho que os partam, bando de filho da puta que não entende porra nenhuma de generalização.

Agora que eu já disse tudo que precisava ser dito, vamos ao artigo.
 


Top 5 das mulheres que eu mais admiro dos livros! Lembrando que são as personagens femininas que eu mais admiro, então não leve a mal se a personagem que você ama de paixão não estiver aqui. Até porque, eu li muito poucos livros ainda e menos livros ainda com personagens femininas, que acabam sendo minoria em muitos gêneros literários ou relegadas ao papel de vítimas, infelizmente. Então, em vez de reclamar que eu sou uma porca fascista, coloque aí nos comentários quais as personagens que você adora e acha que deveriam estar aqui, quem sabe eu não dou uma chance e leio também?

E sim, TEREMOS SPOILERS, afinal eu falarei das realizações dessas mulheres. Aviso dado, aqui vai...




5º lugar- Hermione Granger- Harry Potter, de J.K. Rowling



[Editado direto do ano de 2020: Essa parte do artigo já não reflete mais o que eu penso da J.K. Rowling atualmente e nem do problema envolvendo a representatividade que ela diz ter em seus livros. Na verdade, esse artigo quase todo já não representa muito do que eu penso atualmente. Bom, como diria a Chiquinha do Chaves, é próprio dos sábios mudar de opinião. ; ) ]

Não é segredo pra ninguém que eu adoro Harry Potter. Desde o começo do blog eu mencionei isso, Harry Potter e a Ordem da Fênix foi o primeiro calhamaço que eu li, e eu ainda estava na quinta série! Eu já lia antes, mas Harry Potter foi o primeiro livro que me deixava com os braços cansados de segurá-lo ao fim de uma leitura. Claro que o tamanho de um livro não importa tanto quanto a qualidade, mas é preciso que o livro seja muito bom para que o leitor aceite exercitar os bíceps pra lê-lo. E Harry Potter nem precisaria dos filmes pra isso, mas vamos em frente com isso. 

Hermione Granger...

Arte de kuvshinov-ilya



Hermione é a bruxa mais inteligente do trio de personagens principais, se destacando desde o começo da série por ser aquela que tudo sabia e cujo passatempo era ler e estudar, algo que faz com que todos sejamos completamente zoados na escola mas que confere privilégios e habilidades na vida adulta que do contrário, nunca teríamos. Sendo filha de dois dentistas trouxas, Hermione era a prova de que sem empenho, todo talento natural era inútil. Afinal, Rony e Draco eram de famílias completamente bruxas e nem por isso eram os alunos mais destacados.





Claro que nem sempre os planos da nossa querida defensora dos elfos domésticos davam certo, como quando ela preparou uma poção polissuco para que o trio pudesse espionar Draco Malfoy e o resultado foi a fantasia condenável de muitos furries:



"Ela só tem doze anos, seus pervertidos!"




Apesar de toda zoação e todo o bullying ao qual esteve sujeita por sua aparência, ela não se deixou abater, chegando mesmo a dançar com Viktor Krum, o aluno de intercâmbio mais cobiçado do baile do torneio Tribruxo. Mesmo assim, seu coração batia mais forte por Rony Weasley, e bem...




 

É, eu também não entendo o que ela viu no Rony... nem mesmo a J.K. entende, mas o importante é que Hermione nunca decepcionou seus amigos nas situações mais difíceis, nem mesmo quando a morte era quase certa.





No fim, ela ainda retornou à Hogwarts pra terminar os estudos, tornando-se ministra da magia, enquanto Rony e Harry coçavam o saco conformados com suas carreiras de aurores. 


Arte de fridouw


Além disso tudo, Hermione teve duas representações com etnias diferentes, tendo sido branca nos filmes e negra na peça de teatro "Harry Potter and the cursed child", representação essa que foi validada pela J.K.. A reação de certos "fãs" foi de racismo escancarado, mas a personagem está aí pelo menos. Hollywood sempre teve uma tradição de "embranquecer" personagens por pura comodidade. A cor da pele dela é o que menos importa, mas ainda acho que uma personagem negra que não seja estereotipada deveria ser sempre bem-vinda pelo público.


E não podemos esquecer de quando Mione nos presenteou com este singelo e magnífico momento:



Priceless.




4º lugar- Catelyn Stark- Guerra dos Tronos, de G.R.R. Martin








Ai, ai, Guerra dos Tronos... Por onde começar?

Não foi uma escolha fácil, por que num livro com tantos personagens, sobretudo personagens femininas fortes como Arya, Sansa, Daenerys, Brienne, Margaery e Olenna Tyrell, além de Lyanna Mormont, aquela coisinha fofa e linda! Eu poderia fazer esse ranking apenas com personagens da série de livros, mas não farei isso; não farei porque seria muito repetitivo e porque minha preguiça não permite.

Bom, acho que agora tenho que explicar porque, dentre todas as minhas opções eu escolhi justo a que talvez passe mais despercebida pelos fãs, que é a Catelyn Stark.





Acho que parte do ódio dos fãs pela Catelyn vem do fato dela nunca ter aceito John Snow como filho de Eddard Stark, sempre tratando-o diferente dos outros, chegando ao ponto de querê-lo longe do banquete de boas-vindas. Mas, sendo sincera, eu também não gosto do John Snow; sempre pulei as partes dele nos livros. Nada pessoal, só acho ele chato, chorão e sem-graça, como a maioria dos protagonistas de séries de fantasia com uma miríade de personagens bem mais interessantes. E vejam bem, por mais que tal tratamento seja desprezível, não se pode forçar alguém a conviver ou gostar de outra pessoa à força. 

Para Catelyn, John não era só um bebê que o marido trouxe pra viver com eles, mas um constante lembrete de sua infidelidade, algo de que ela não tinha poder para se queixar num mundo em que as mulheres em sua condição se casavam apenas para fazer alianças com reinos e procriar basicamente. Ela amava o marido e os filhos e devia acreditar que seu lar era perfeito até isso acontecer. A maioria das pessoas que a condenam provavelmente faria o mesmo na situação dela.


Outra queixa é que ela tomou decisões questionáveis, como capturar Tyrion e deixar Jaime escapar, além de tentar um acordo com os Frey. Mas, dadas as circunstâncias e o conhecimento que ela tinha no momento, não eram decisões ruins: todas as suspeitas da tentativa de assassinato de seu filho Bran caíam em Tyrion, e ela esperava assegurar o bem-estar do marido e das filhas enquanto eles estavam em Porto Real.
Na verdade, se Ned Stark tivesse o mesmo bom-senso de Catelyn, talvez tivesse sobrevivido mais um capítulo. Quanto a deixar Jaime partir, foi mais produto do descontrole causado pelo luto de ter perdido o marido e acreditar que Bran e Rickon estavam mortos. Além disso, após perder Tyrion como prisioneiro, ela pretendia trocar Jaime por Sansa e Arya. Claro, nada sai como planejado e Jaime escapa também enquanto Arya continua perdida e Sansa se casa com Tyrion.      
Sua última esperança era casar Robb com uma das filhas de Walder Frey, e isso também dá errado, muito por culpa do filho, que não ouviu seus conselhos...


"Quando alguém chega perguntando "É pa vê ou pa cumê?"



Catelyn pode não ter sido a mãe perfeita, mas ela lutou até o fim para proteger seus filhos, sua família e seu reino. A cena em que ela agarra a faca do assassino e luta de mãos nuas com ele para defender o filho em coma foi pra mim o ato de amor mais significativo que eu vi na série inteira. E foda-se quem me disser o contrário.


No fim, Catelyn, que sempre foi uma mãe amável e protetora para seus filhos, torna-se Lady Stoneheart, um zumbi com coração de pedra, que vaga silenciosamente atrás de vingar-se de todos que tiveram participação no casamento Vermelho, o evento que acabara com a vida dela e do filho. 



Considerando a quantidade de mães que apenas morrem na ficção, ainda é um destino bem notável.




3º lugar- C.L.B.- A casa dos budas ditosos, de João Ubaldo Ribeiro








Ok, tirem as crianças da frente do computador! E você, moleque criado à base de toddynho e que é fã de polêmicas eleitoreiras, eu tô te vendo! Cai fora!
...
Agora que todos com idade mental de até treze anos já foram embora, vamos falar de putaria:



"Não, não, isso!"


Não é pra falar de putaria nutella. Eu tô falando de putaria raíz, o tipo de putaria que não vende em banca de jornal nem aparece em programinhas modernosos de televisão. Eu tô falando do tipo de putaria que é preciso ter pelos menos meia dúzia de neurônios funcionais pra entender.






A casa dos Budas Ditosos é um livro escrito por João Ubaldo Ribeiro e publicado em 1999 numa série sobre os pecados capitais. Não preciso explicar que o pecado de que o livro fala é a luxúria. O livro é narrado todo por C.L.B., uma velha de sessenta e tantos anos  nascida na Bahia, e que, às voltas com uma doença que a matará, envia a um escritor um pacote com a transcrição de fitas em que ela conta sobre sua própria vida e de todas as peripécias sexuais em que se meteu. (hum, essa frase saiu meio com duplo sentido, mas vou deixar assim mesmo). Na verdade, a narradora não fala apenas de sexo, mas também de religião e de preconceitos sociais relacionados ao tema.

Eu conheci esse livro pela internet, numa época em que o livro da Bruna Surfistinha tinha acabado de ser lançado e ficava exposto na Bienal do Livro. Eu estava terminando o fundamental, nem sei se algum dos meus colegas mais espertinhos conseguiu a chance de despistar a professora e dar uma conferida no "Diário do Escorpião", mas depois de um tempo, quando a utilidade primeira da internet finalmente ficou clara na minha mente, eu me lembrei desse livro. E eu baixei, é claro. E não foi decepcionante, mas também não foi aquele suprassumo todo que falavam. Já tinha fanfics melhores, na verdade.

Mas como um livro inevitavelmente leva a outro, eu acabei me deparando com esse título e foi amor ao primeiro parágrafo. Ou tesão, se preferir.   

E sim, eu posso me considerar uma feminista e gostar de um livro cuja personagem foi escrita por um homem, acho que o problema não é esse. Podemos discutir a falta de reconhecimento às autoras de ficção erótica, ou o quanto o João Ubaldo ainda deixa passar algum resquício de sua própria visão masculina na personagem, mas eu considero a primeira discussão mais válida que a segunda, pelo motivo de que eu acredito ser praticamente impossível um autor anular a própria subjetividade ao escrever, mesmo que ele se esforce muito. O texto sempre terá um quê da personalidade ou das visões de mundo de quem o escreve, e pedir neutralidade da arte é o mesmo que pedir que um cigarro seja livre de toxinas: tem boas intenções, mas nunca funciona na prática.

Como o livro todo é escrito através do fluxo de consciência dessa senhora, significa que a personagem narra tudo da forma que lhe dá na telha no momento em que ela está falando. Desse modo, não há capítulos muito divididos além do prefácio do autor, e a linguagem é bem livre, com direito a erros de português, palavrões classudos e expressões como "dou-lhe um banho de gato, putinha", que deve ser a sacanagem mais engraçada e original que eu já li. C.L.B., ao contrário de muitas mulheres, não se privou de descobrir e explorar sua sexualidade, fosse por padrões machistas da época em que viveu ( cuja juventude deve ter sido nos anos 40 ou 50, mais ou menos), fosse por padrões meio desvirtuados do feminismo.
Ela se identifica como uma libertina numa época em que isso não era moda, nem era muito possível em termos mais práticos. E mesmo a fala dela contendo alguns traços de preconceito contra negros, gays, lésbicas e mulheres, isso é perdoável pelo fato de que mesmo estando à frente do seu tempo, ela ainda era uma mulher daquele tempo. E não sejamos hipócritas: Quantos vovós e vovôs, ou até mesmo nossos próprios pais ainda falam assim? É reprovável, mas não se pode simplesmente xingar as pessoas de fascistas e preconceituosos e esperar que elas mudem. É preciso educação e sensibilidade pra isso.

"E, de fato, é triste, acho que como ele próprio ainda disse, viver numa sociedade em que a honra feminina é portada entre as pernas, que coisa mais besta, meu Deus do céu. Mas, não é, não é? às vezes me dá vontade de fazer um comício. Quantas vidas se perderam, quantos destinos se estragaram, quantas tragédias não houve, quantos conventos não foram abarrotados desumanamente, por causa da honra de tantas e tantas infelizes?"






A própria C.L.B., em determinada situação, chega a cogitar uma cirurgia de restauração de hímen, mas acaba deixando de lado a ideia, denunciando a hipocrisia que até hoje existe entre homens e mulheres, sempre com muito sarcasmo:

"Mulheres casadas diziam aos amantes -- e muitas ainda dizem, suspeito eu -- que jamais fizeram ou fariam isso com o marido, e os cretinos acreditam, não existe coisa de que homem se gabe mais do que a amante fazer com ele o que não faz com o marido, tudo chute, armação. Sexo anal, a mesma coisa etc. etc. Oh, é a primeira vez, devagar, tá? Grandes atrizes se perdem todos os dias."

"Tudo o que ela fez, fez num tempo em que tudo era bem mais difícil para as mulheres. Não que não fosse difícil para os homens também e, sob outros aspectos, nunca deixei de ser solidária com os pobres dos machos, acorrentados a uma porção de deveres esdrúxulos, desde não chorar até enfrentar situações horripilantes, só porque eram machos."


Uma das partes mais engraçadas é logo no começo, quando ela fala do próprio avô e explica o título do livro de um modo que, de certa forma resume o espírito dessa obra:

 "Meu avô materno era aristocrata, elegantíssimo, falava francês e alemão fluentemente, esteve várias vezes na Europa, era cultíssimo, mas, depois que passou de uma certa idade, peidava em público. Assisti a ele peidar na frente do interventor, na época do Estado Novo. O interventor tinha ido almoçar com ele e, depois do almoço, ficaram conversando na sala de estar, com meu avô volta e meia levantando os quartos e soltando vento aos trovões. Quando minha avó reclamava, ele dizia que o que está preso quer ser solto e todo mundo peidava, inclusive o interventor, então não era ele que, àquela altura da vida, ia arrolhar um peido. Quem quisesse que arrolhasse, mas ele não.

Não cheguei ao ponto ótimo como meu avô, não tenho coragem de fazer o que ele fazia em público, ainda estou amarrada a uma porção de penduricalhos absurdos. É uma pena, porque memórias de uma libertina seria tão melhor do que essa bichice dos Budas ditosos, mas não se pode ter tudo neste mundo, tome-lhe Budas misteriosos."

Por toda a sinceridade, humor e coragem para falar de sexo quando o tema ainda era um tabu é que C.L.B. está nesta lista. E à feminista super-bem-informada que estiver nos comentários louca pra chamar de biscoiteira e ao anti-feminista "Por Deus e pelas armas" louco pra me chamar de retardada, faço dela as minhas palavras:"Quem é burro pede a Deus que o mate e ao diabo que o carregue."




2º lugar- Scout  e Calpurnia- O sol é para todos, de Harper Lee


 



Acho que há uma exceção a frase de Nelson Rodrigues, "Toda unanimidade é burra." Sim, porque até hoje eu nunca encontrei alguém que não colocasse "O sol é para todos" como um "must read" da literatura do século XX. Não sei, acho que é preciso ser uma pessoa muito fechada de coração para não gostar desse livro, ou ao menos reconhecer sua importância...



Ok, fora Homer Simpson, ninguém discorda que seja um livro emblemático sobre o racismo e a inocência que todos perdemos quando começamos a perceber o quanto o mundo é um lugar caótico e cruel.

Scout, a protagonista do livro, é uma garotinha de oito anos que mora numa cidadezinha rural chamada Maycomb e passa os dias brincando com seu irmão Jem. Seu pai, o advogado Atticus Finch, é tido como um herói por eles, por seu temperamento calmo e bastante racional e seguro com as crianças, cuja mãe morreu quando Scout ainda era bebê. O problema é que a cidade em que eles vivem esconde um terrível mal entre seus moradores, ao qual Atticus chama "doença de Maycomb", e quando ele diz "doença", acho que todos sabemos de que doença ele fala:





Apesar de tudo, Scout não tem preocupações se não se adaptar à escola, onde a professora assim que descobre que a menina já sabe ler, a rebaixa diante das outras crianças, dizendo que simplesmente esqueça o que ela sabe pra que possa "aprender direito". A menina volta arrasada pra casa, e seu pai lhe diz algo que serve pra qualquer um de nós em qualquer idade:


"Você nunca entende realmente uma pessoa até que você considere as coisas do ponto de vista dela."


Durante o livro, Scout amadurece e percebe que Boo Radley, o vizinho misterioso a quem ela e o irmão tanto temem e atormentam, na verdade é um homem bondoso que possivelmente sofre de esquizofrenia, e por isso sai muito pouco de casa e acaba excluído da vizinhança em torno. E as pessoas "decentes" são justamente aquelas que mais criticam o jeito meio "moleque" de Scout se vestir e se portar, além dos esforços de seu pai em defender Tom Robinson, um homem negro acusado de ter estuprado uma mulher branca. Até o dia do julgamento, Tom fica preventivamente preso, levando Atticus a precisar montar guarda em frente a cela do homem, por motivos horrivelmente óbvios. E ele estava certo, porque um grupo de caipiras armados aparece, dispostos a agradar a Raquel Sheherazadee fazer "justiça com as próprias mãos". Mas eis que Scout e Jem aparecem e Scout, no auge de sua inocência, desarma os linchadores com apenas uma frase:

"— Olá, Sr. Cunningham. Parecia que o homem não tinha me ouvido. — Olá, Sr. Cunningham. Como vai o seu morgadio? Os negócios do Sr. Cunningham me eram familiares. Houve até um dia em que o Atticus me explicou tudo em pormenor. Aquele homem imenso pestanejou e enfiou os polegares nas presilhas do macacão. Parecia desconfortável. Pigarreou e desviou o olhar."



Depois disso, a multidão se dispersa. No dia seguinte, Scout questiona o pai a respeito:

"O Atticus pousou o garfo ao lado da faca e empurrou o prato para o lado. — Basicamente o Sr. Cunningham é um bom homem — disse — só que, tal como todos nós, tem os seus momentos de cegueira. 
— Não chame aquilo de cegueira. Quando ele chegou lá estava pronto pra te matar — interrompeu o Jem. 
— É até provável que me fizesse mal — admitiu o Atticus — mas vai acabar percebendo melhor as pessoas quando for mais velho, filho. Acima de tudo um bando é constituído por pessoas. E todos os bandos de todas as nossas cidadezinhas do Sul são constituídos por pessoas que nós conhecemos... e isso não quer dizer nada sobre elas, né?" 

Num episódio particularmente triste, a tia das crianças diz que Scout tem que parar de brincar com Walter Cunningham, chamando-o de lixo por ser de uma família pobre. A menina chora e ao conversar com o irmão, conclui, brilhantemente:


"Só existe um tipo de gente: gente."


Calpurnia é outra personagem desse mesmo livro que eu resolvi colocar nesse mesmo lugar porque ela é tão admirável quanto: a velha Cal, como às vezes é chamada pelas crianças, é a babá delas, conduzindo com mão de ferro a casa e o bem-estar geral. Mas não só esse papel é delegado a ela, como também uma certa condução moral de Scout e seu irmão Jem. Quando a menina convida um colega de classe para vir almoçar e acaba por constrangê-lo, por exemplo:

"O Walter encharcou generosamente os legumes e a carne com o melaço. Provavelmente também o teria colocado no copo de leite, se eu não lhe perguntasse que raio é que estava fazendo. A travessa de prata tilintou quando ele colocou o jarro sobre a mesa. Ele rapidamente pôs as mãos no colo e baixou a cabeça. [...] Foi então que a Calpurnia exigiu a minha presença na cozinha. Ela estava furiosa, e quando estava furiosa, a sua gramática tornava-se errática. Mas quando estava tranquila, a sua gramática era tão boa como a de qualquer habitante de Maycomb. O Atticus dizia que a Calpurnia era mais instruída do que a maior parte das pessoas de cor.

Quando ela me olhou com aquele olhar estrábico, as pequenas linhas em volta dos seus olhos ficaram mais carregadas. — Hás pessoa’ que num come como nós — sussurrou ela violentamente — mas você num tem o direito de os deixar ficar mal à mesa quando são diferente. ’Quele moço é seu convidado e se quiser até pode comer a toalha, entendeu?"

Como fica claro pelo trecho, ela era uma mulher negra e letrada, algo incomum para aquele lugar e época. Sem falar que foi Calpurnia quem ensinou Scout a ler antes mesmo de estar na escola. Sobre isso, ela afirma:  


"Eu não gostava de ler até o dia em que tive medo de não poder ler mais. Ninguém ama respirar. “




Por serem duas personagens tão incríveis e dispostas a desafiar os destinos traçados para elas desde o berço além de superarem os próprios preconceitos e os preconceitos alheios, é que elas entram com louvor nesta lista.

Eu poderia ir em frente tecendo elogios a esse livro, mas estou ficando redundante. Vão ler, vão! Ou assistam o filme que também é muito bom.




E agora, o momento mais aguardado deste artigo: a personagem feminina que eu mais admiro dos livros é...



1º lugar-  Scarlett O'Hara- E o vento levou, de Margareth Mitchell
 

[Falando em arrependimentos... Por favor, sigam até o fim do artigo.]









É. 

Vamos lá...

"Scarlett O'hara não era linda, mas os homens raramente se davam conta disso quando enredados por seu encanto [...]"


Ou espantados por seu enorme chapéu...



A primeira frase do livro a descreve com perfeição, pois Scarlett é a filha mais bela de um fazendeiro sulista da Geórgia, e seu maior passatempo na vida é encantar os homens e deixá-los babando aos seus pés para logo em seguida, desprezá-los com toda a frieza. Na verdade, ela não faz isso tão conscientemente assim, mas também não disfarça seu prazer com isso:

"O vestido se ajustava com exatidão à cintura de 43 centímetros, a menor em três condados, e o corpete justo revelava seios maduros para seus 16 anos. Mas, apesar de toda a modéstia das saias espalhadas, do recato do cabelo preso num coque suave e da tranquilidade das pequenas mãos brancas cruzadas sobre o colo, sua verdadeira personalidade não ficava oculta. Os olhos verdes no rosto meigo eram turbulentos, voluntariosos, cheios de vida, em desacordo com o ar decoroso. As boas maneiras lhe haviam sido impostas pelas gentis repreensões maternas e pela disciplina mais severa de sua babá negra, Mammy; os olhos, porém, lhe pertenciam."




Acontece que além de voluntariosa e mimada, Scarlett era também apaixonada por um cavalheiro das redondezas, o nobre e plácido Ashley Wilkes, à despeito dele estar praticamente noivo de uma prima dele, Melanie. Na verdade, ela tem certeza de que ele a ama em segredo, e para provar isso, resolve confrontá-lo a sós em seu churrasco de noivado. A reação dele é obvia, e Scarlett acaba sendo deixada na sala, sozinha e envergonhada ao descobrir que Rhett Butler, um aventureiro tido por todos um patife a ouvia se declarando para o bobalhão do Ashley:

"Ele evidentemente ouvira toda a conversa, pois sorriu para ela tão malicioso quanto um gato, outra vez lhe passando os olhos com uma intensidade que totalmente destituída da deferência a que ela estava acostumada. "Pelo manto de cristo!" disse Scarlett para si mesma, indignada. "Ele dá a impressão de... de saber como eu sou sem a roupa de baixo"[...]"

Mesmo assim, sua certeza de que o tão idealizado cavalheiro pode vir a amá-la toma conta de todas as suas esperanças, e ela poderia passar o livro todo apenas movendo os céus e o mundo para conseguir seu objetivo, mas eis que acontece a guerra...




A Guerra Civil Americana foi o conflito que mais matou norte-americanos:  "Para uma comparação breve: morreram mais de 600 mil norte-americanos na Guerra Civil; já na famosa Guerra do Vietnã, o número de baixas oficiais foi de 58 mil mortos." (fonte). E, como sempre, não só os soldados sofrem, mas também toda a população. A partir desse ponto, a vida de Scarlett dá uma virada completamente, pois Ashley parte para a guerra e lhe pede que cuide de Melanie, sua esposa agora, e do filho que ela espera.
Apesar de todo o ódio por sua rival, a quem julga como uma mulher fraca e sem graça, Scarlett cumpre sua promessa, chegando mesmo a fazer o parto de Melanie, que retribui sua fidelidade forçada com a mais sincera amizade, para seu desgosto.
 
 


Após um parto difícil, Melanie fica enfraquecida e impossibilitada de caminhar, deixando Scarlett de mãos atadas enquanto o ianques avançam pelo território. E de fato, tudo estaria perdido se não fosse por Rhett Butler aparecer com uma carroça a noite, alertado pela escravinha de Scarlett. Ele as deixa perto da fazenda dela e parte para lutar também, comovido pelos esforços dos sulistas. Scarlett é deixada com a rival enfraquecida, o filho dela e Prissy, uma escrava medrosa, apenas tendo a carroça em um cavalo, que morre de exaustão ao chegarem em casa. Casa essa que ela encontra em ruínas, além de encontrar as duas irmãs doentes e o pai louco pelo luto da esposa, mãe de Scarlett, que morreu um dia antes dela chegar. Como desgraça pouca é bobagem, os ianques invadiram a fazenda e levaram todos os patos, perus, galinhas e animais, todas as colheitas, praticamente toda a comida que eles tinham.

Faminta, ela desenterra um dos poucos legumes que sobraram na lavoura e o devora, praticamente junto com a terra e tudo. E ela então se levanta e profere as palavras que seriam depois usadas por dezenas de mocinhas "vingativas" das novelas do Walcyr Carrasco:






Para Scarlett, só resta olhar para os poucos escravos que ficaram e o que restou de sua família e imaginar o que fariam no dia seguinte:

"Via as coisas com novos olhos, pois, em algum ponto ao longo da estrada para Tara, ela abandonara sua infância. Já não era como o barro moldável, no qual cada experiência deixava uma marca. O barro endurecera em algum momento desse dia que durara mil anos. Essa noite era a última vez em que seria cuidada como uma criança. Agora era uma mulher feita, e a juventude ficara para trás."

Diante do desespero, ela relembra os antepassados e busca força neles:

"Todos sofreram infortúnios esmagadores e não foram esmagados. Não se deixaram abater pela queda de impérios, pelos facões de escravos revoltados, por guerra, rebelião, proscrição, confisco. [...] Eles não se lamentaram, mas, sim, lutaram. E ao morrer, morreram cansados, mas não vencidos. Toda aquela gente, cujo sangue lhe corria nas veias, parecia estar se movendo silenciosamente no quarto iluminado pela lua. E Scarlett não se surpreendeu por vê-los, esses antepassados que haviam suportado o pior que o destino podia lhes reservar e o tinham transformado em algo melhor. Tara era seu destino, e ela ia conquistá-la. Tonta, ela se virou de lado, uma escuridão se insinuando e lhe envolvendo a mente. Estariam realmente ali, sussurrando um mudo encorajamento, ou aquilo seria um sonho?
-Estejam aqui ou não- murmurou ela, adormecendo- , boa noite... e obrigada."






Após isso, ela trabalha noite e dia para reerguer Tara, sua fazenda, e alimentar seus familiares e escravos. Como ela é astuciosa e não se importa tanto assim com os padrões de decência da época, ela se envolve em algumas trapaças, como contratar presidiários para suas serrarias, casar com o pretendente da própria irmã apenas por interesse financeiro, e etc, etc. Mas para todas essas ações, Scarlett tinha a justificativa de nunca mais tornar a passar fome como ela e todos haviam passado. E apesar de demorar umas 900 páginas para que ela esquecesse Ashley e reconhecesse o amor que Rhett lhe devotava, ela corre até no instante em que percebe o engano fatal que cometera. Ela corre e encontra um Rhett cansado de insistir, cansado de ser relegado a um segundo plano. Aos prantos, ela lhe pergunta o que fará da vida sem ele, ao que ele lhe responde com a tão famosa frase:
 




"Ela nunca entendera nenhum dos dois homens que amara e assim perdera ambos. Agora, reconhecia ligeiramente que, se tivesse compreendido Ashley, nunca o teria amado; se tivesse compreendido Rhett, nunca o teria perdido. Infeliz, ela se perguntou se alguma vez compreendera alguém nesse mundo."

Desorientada, ela vaga pelo hall da casa que ela e Rhett dividiam, até que algo eleva seu ânimo, a mesma coisa que a manteve de pé apesar de todos os problemas ao redor:

"Com o espírito de sua gente, que não reconhecia a derrota, mesmo a encarando de frente, ela ergueu o queixo. Conseguiria Rhett de volta. Sabia que conseguiria. Nunca houvera um homem que não tivesse, caso se concentrasse nisso.
Penso nisso amanhã, em Tara. Vou aguentar então. Amanhã vou pensar em algum modo de tê-lo de volta. Afinal, amanhã é outro dia."




Muito pode ser dito sobre Scarlett, e eu reconheço que a personagem não é unanimidade, muito menos a obra de Margareth Mitchell, sobretudo no que diz respeito aos estereótipos de escravos felizes e satisfeitos com seus "donos". Além disso, tem o retrato que faz das mulheres, ora como a protagonista, que seduzem e manipulam os homens através da beleza, ora como a rival dela, que é submissa e uma esposa perfeita e devotada em todos os sentidos. 

Eu reconheço que tudo isso é controverso, mas eu acredito que não se pode ignorar a época em que o livro foi escrito: Era 1936, e os Estados Unidos ainda sofriam os efeitos da quebra da bolsa de 29. Muitos podem ter encontrado nesse livro um retrato de um país que já não existia e que, de fato, nem deveria afinal. Mas eu acredito que a maioria não proclamou este livro como um dos grandes clássicos americanos por pura nostalgia racista, mas sim pela força que emana da personagem principal: Scarlett é brava e impetuosa, ela vai atrás do que ela quer e aí de quem tentar impedi-la. Ela é praticamente uma força da natureza. 
 


"You don't mess with this lady, sir"




"Quando Scarlett desenterra aquele rabanete no jardim arrasado de Tara e jura a Deus que ela nunca mais passaria fome de novo, ela estava voz a cada americano que havia sofrido necessidades e medo durante os anos de Hoover." (fonte)


É verdade que em certas ocasiões ela cai no estereótipo da "megera domada", uma mulher de temperamento forte que precisa de um homem para colocá-la no seu lugar. Mas a bem da verdade, todo mundo às vezes precisa de alguém de fora da situação e que confronte com outras perspectivas, isso não é apenas com mulheres. Até porque, Scarlett nunca muda ao longo do livro inteiro, sua única mudança é a compreensão de amor que ela nunca realmente tinha entendido desde criança. Sua criação mimada a fez acreditar que amava tudo aquilo que não possuía, enquanto despreza a felicidade que estava ao seu pleno alcance. De certa forma, sua força também era sua fraqueza, e é isso o que faz um personagem ser marcante. Afinal, quantos de nós não cometemos o mesmo erro alguma vez?


Por toda sua perseverança e espírito inquebrantável, Katie Scarlett O'hara é a melhor personagem feminina que eu já li até agora. Se você não concorda, deixe seu comentário! Afinal, amanhã é outro dia. [Editado: Agora em 2020, eu realmente acho que me equivoquei muito nessa escolha. Esse livro é bastante racista e a protagonista igualmente. Não vou apagar isso e fingir que nunca pensei assim porque acho importante deixar claro que eu não sou perfeita e nem quero tentar ser. Talvez eu escreva outro artigo no futuro, mas se você ainda estiver aqui lendo isto, então fique com esse vídeo e a recomendação de leitura no lugar desse livro: Se chama "The Wind done gone" e é uma releitura da história pelo ponto de vista de Cynara, uma meia-irmã de Scarlett, filha do dono da plantation com a escrava Mammy. O livro subverte a visão nostálgica e benevolente da escravidão que emana de "E o Vento Levou" e coloca o tema como realmente é: uma violência.]
 
 









Resenha de mangá: O marido do meu irmão

  Eu vinha escrevendo essa resenha desde agosto, mas só agora em outubro que eu consegui atualizar o blog... Pra vocês verem. Não sei se foi...