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quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Resenha de mangá: O marido do meu irmão

 





Eu vinha escrevendo essa resenha desde agosto, mas só agora em outubro que eu consegui atualizar o blog... Pra vocês verem. Não sei se foi só a falta de tempo, ou se foi também o meu desânimo, mas cá estamos.

É verdade que eu leio pouco mangá, porque onde eu moro você praticamente não encontra muitos títulos em bancas (quando encontra, as capas já tão desbotadas de tanto tempo e são uns títulos jurássicos, mas ok), e praticamente eu só posso comprar em grandes livrarias (no caso na minha cidade só tem uma que eu saiba, num shopping, e é tudo o olho da cara) ou pela internet. Apesar dessa falta de, digamos, uma familiaridade maior com o meio, posso dizer com certeza que essa foi uma das minhas leituras mais agradáveis que eu tive até o presente momento. Nenhuma surpresa, visto que ele foi premiado com o Eisner de 2018. 

Então, sobre o que é esse mangá maravilhoso escrito e desenhado por Gengoroh Tagame?

Esse mangá em questão é fofinho e leve, mas não recomendo pesquisar o autor no google sem ativar o safe search ou no trabalho, ok? Estejam avisados



O marido do meu irmão (Otouto no Otto) em japonês (sim, Otto significa marido em japonês, o que eu achei muito engraçado de saber por motivos...) é sobre Yaichi, um pai solteiro que vive tranquilamente no Japão com a filhinha Kana, até o momento em que recebe a visita de Mike, um canadense que era marido de seu irmão gêmeo, Ryouji, falecido há algum tempo. Mike se apresenta e pede a Yaichi que o ajude a cumprir a promessa feita ao marido de ir ao Japão, conhecer todos os lugares em que ele e o irmão passavam a infância.

À princípio, o Yaichi tem uma reação de surpresa, por que ele tinha perdido contato com esse irmão desde que ele se mudara  para o Canadá há dez anos, então ele não conhecia o Mike. E por que ele não tinha mais contato com o irmão? Aí que tá: o personagem luta um pouco pra admitir, mas acaba reconhecendo que logo depois de Ryouji ter se assumido gay, Yaichi se afastou dele, deixando de ter o mesmo relacionamento que tinham quando crianças. 




Por mais que o protagonista não seja um homofóbico que agride fisicamente alguém ou coisa do tipo, ele tem muita homofobia internalizada que se manifesta em certas atitudes e pensamentos no mangá, por exemplo, esse afastamento do irmão, ou quando ele pensa que pelo Mike poderia assediá-lo por ele ter a mesma aparência que Ryouji, ou em diversas situações em que sua filha Kana está envolvida, como quando a menina quer apresentar Mike aos coleguinhas de escola. Felizmente, ele vai superando esses comportamentos e sentimentos ao longo da história, e é muito legal ver como ele mesmo vai se questionando sobre as coisas sem necessariamente ter alguém apontando aquilo pra ele (algo que eu imagino, aconteça muito mais na ficção, mas não tira o mérito do mangá de forma nenhuma).






A Kana é uma menina meiga e apesar de se parecer realmente com uma criança real em todos os seus comportamentos, ela não é chata, o que só prova que crianças na ficção só são chatas quando os roteiristas as escrevem como gênios mirins sem qualquer outra característica ou como coitadinhos que só choram e sofrem pra sustentar o melodrama da história. A Kana é uma personagem bem desenvolvida e que tem uma história própria apesar de o foco ser muito mais na amizade dela com o Mike, o tio que ela acabou de conhecer e já ama. O relacionamento entre ela e o pai é também muito importante na parte do personagem se perceber homofóbico e mudar a partir do momento em que ele se questiona o que ele sentiria se a filha passasse pelo mesmo que o Mike passa. Esse é um ponto crucial do mangá, que torna crível toda essa mudança.

E falando no Mike, ele também é um personagem muito bem construído, apesar de não sabermos quase nada sobre ele além do fato dele ser viúvo do Ryouji, cunhado do Yaichi e tio da Kana. Eu realmente não lembro se ele tinha uma profissão, o que sabemos é que ele tem uma família que o aceita no Canadá e que ele é um gay assumido e conhece muito sobre direitos dos LGBTs no Japão e ao redor do mundo, além da história do orgulho gay. 


O autor de fato inclui muitas informações interessantes em páginas à parte ao longo da narrativa, que acabam sendo úteis para quem não sabe muito a respeito ter uma noção melhor dos problemas que LGBTs passam no Japão, e esse é um ponto bastante crucial aqui: pouca gente talvez saiba, mas o Japão, por mais tecnologicamente avançado que seja, não é um país muito avançado em direitos LGBT+: não existe casamento homoafetivo no Japão, o que exclui da proteção da lei e não têm a mesma igualdade jurídica que casais heteroafetivos, apesar de recentemente terem sido criados dispositivos legais semelhantes à união civil que, na prática, era um casamento de segunda classe, onde os cônjuges não tinham todos os direitos e deveres de um casamento civil comum. 

No Brasil faz só oito anos que o casamento homoafetivo foi legalizado, então não é surpresa nenhuma saber que antes de certo excrementíssimo assumir a presidência do país o número de cerimônias alcançou um recorde, justamente pelo medo de que esse direito tão importante fosse retirado das pessoas. Então, sim, esse é um assunto importante, mesmo que não interfira diretamente na vida de quem é contra.

"Ain, mas eu trabalho em cartório e sou contra realizar casamento, vai contra a minha religião, eu quero ter o direito de discriminar alguém por isso..."

Pois eu desejo o meu mais solene vai tomar no cu. 


Achei que o desenvolvimento da história é muito bom, toda a abordagem me pareceu muito sutil e sensível. São dois volumes publicados pela Panini, e a leitura passa voando, deixa mesmo a sensação de "quero mais", apesar de eu concordar que o desfecho é perfeito, e é tudo redondinho e não precisa de mais nada.  Quanto a classificação indicativa, eu também concordo com essa resenha e acredito também que foi colocada acima do que deveria estar, apenas por conta de algumas páginas de nu masculino de personagens tomando banho, nada explícito realmente, nenhuma genitália, nenhum ato libidinoso, no máximo uma bunda. Nenhuma cena de sexo, nem violência, nada que justifique classificação de 18 anos.

Cena de nudez em banho é coisa que tem em qualquer anime shonen padrão pra criança, gente:


Que episódio foi esse de Naruto?

Goku tomando banho com os filhos (no Japão isso é comum, tem em vários filmes e animes de lá).


Pra ser justa, essa cena foi censurada da versão brasileira de Dragon Ball, mas é só pra ilustrar o absurdo que é o pensamento de que esse tipo de piada existia na época e era vista como ok para crianças, enquanto uma cena de banho sem contexto sexual nem nada explícito atualmente é vista como imprópria até para adolescentes. Ou será que não seria a cena em si, mas o assunto do qual todo o mangá trata?

Enfim, um mangá que traz uma mensagem tão bonita e bem executada de aceitação e empatia como esse merece ser lido por adolescentes inclusive, uma vez que parte da discussão contida nele aborda a descoberta da homossexualidade durante a adolescência/ pré-adolescência. Por que essa visão de que tal tema não seja adequado para crianças e adolescentes é sim homofóbica e é justamente o debate feito no mangá, já que a Kana é logo apresentada ao Mike como o tio dela e isso não é escondido dela. Achar que sexualidade fora do padrão hétero-cis normativo é algo que crianças e adolescentes não devem ser informados é prejudicial a formação desses mesmos jovens, que amadurecerão sem saber como lidar com essas pessoas que fazem partem da sociedade assim como eles e também por que eles próprios podem pertencer a essas minorias. 

Então, a quem interessa restringir o alcance desse assunto?


Aquela vez que o Crivella tentou censurar a Bienal do Livro por homofobia


No fundo, é só a vontade de conservadores e homofóbicos/transfóbicos de manter a imagem de pessoas queer como esse "outro" distante e potencialmente perigoso para crianças, pra assim continuar justificando uma série de abusos contra esses grupos. Tudo feito como se não existissem pais, mães e outros familiares LGBTQ+ por aí, com suas próprias famílias e filhos.

É isso, comentem aí se vocês já leram "O marido do meu irmão" e também não entenderam essa classificação etária. E não se esqueça de compartilhar se você gostou da resenha!


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Até a próxima!




Resenha de mangá: O marido do meu irmão

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