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segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Tatiana Feltrin e O Imbecil Coletivo versus Os Guerreiros da Justiça Social


"O sono da razão produz monstros" de Goya


...


Ok, depois de sumir por vários meses e reaparecer aqui com um artigo cujo título poderia ser de um filme da Xuxa dos anos 80, acho melhor colocar as coisas em seu devido contexto: no mês passado, a Tatiana Feltrin, do canal Tiny Little Things e provavelmente a booktuber mais famosa do Youtuber brasileiro, postou um vídeo anunciando sua pretensão de resenhar o livro "O Imbecil Coletivo", escrito pelo autointitulado filósofo, Olavo de Carvalho. 





Quem tem algum tempo de convivência internética sabe que o Olavo é uma figura controversa, pra dizer o mínimo. Independente de posições políticas, a maioria das pessoas parece concordar que o filósofo e astrólogo que insiste em ser chamado de professor (apesar de, aparentemente, nunca ter feito o magistério) é alguém bastante agressivo na exposição e defesa de suas opiniões, e que costuma atacar pessoas que discordem dele com palavras dignas de comentaristas do G1, além de divulgar ideias bastante questionáveis, mas já vou entrar no assunto.



            Não preciso dizer que, sendo a internet como ela é, logo depois do anúncio, o caldo entornou e fuzuê se formou: alguns seguidores da Tatiana começaram a fuçar as redes sociais dela e ao que parece, a youtuber seguia a Ana Caroline Campagnolo no Instagram. Pra quem não sabe, Caroline Campagnolo foi eleita deputada estadual de Santa Catarina pelo PSL e ficou famosa por incitar os alunos de um colégio a filmarem seus professores com o intuito de denunciar "doutrinação marxista" na sala de aula. O episódio gerou polêmica e críticas de pessoas que eu ninguém nunca imaginaria que se posicionassem a respeito:

Quando eu concordei com o Danilo Gentilli

            A partir desse ponto, muita gente deixou de assistir o canal, acusaram a youtuber de ser uma "bolsominion enrustida", dentre outras coisas menos elogiosas. E com o lançamento da resenha dela sobre o livro, a coisa só piorou. No vídeo, a booktuber se disse vítima de uma perseguição por parte de seus seguidores, e se disse decepcionada com as atitudes de pessoas que ela identificou como sendo "feministas", e que teria sido chamada de "vaca fascista". Pesquisando, eu não tenho como comprovar se foi mesmo desse jeito, porque aparentemente a booktuber apagou muitos comentários, bloqueou muita gente e até mesmo teria escondido o número de seguidores, provavelmente por estarem em queda vertiginosa nesse dia. Um print divulgado por ela em seu twitter mostra um e-mail que teria sido mandado para parceiros comerciais dela e amigos, pedindo que considerassem seus posicionamentos políticos na questão.



Como efeito colateral de sua resenha bastante favorável ao livro do filósofo/astrólogo, Tatiana não só perdeu muitos seguidores, mas também ganhou muitos novos inscritos com o vídeo e... É, tem muita coisa que eu preciso dizer sobre esse caso, e estou me esforçando pra deixar o texto o mais sucinto possível, então aqui vai:

            Não,a Tatiana Feltrin não merecia passar por nenhum linchamento virtual, nem constrangimento como o que parece ter ocorrido; aliás, ninguém deveria passar por isso.

O problema é: no momento em que alguém se dispõe a publicar algo na internet, seja uma opinião, um trabalho, um desenho, qualquer coisa, a pessoa está se sujeitando a receber todo tipo de comentário e repercussão de volta. Não estou com isso justificando as ofensas que teriam sido dirigidas a ela, o que estou dizendo é que nem todos os comentários foram ataques: muita gente se limitou a lamentar a resenha dela, outros comentaram no vídeo discordando sobre a visão que a Tatiana mostrou sobre o autor e sua obra, e outros comentaram detalhes ainda mais estranhos sobre o autor. Acho que se tratando de uma pessoa polêmica como o Olavo, dificilmente ela poderia esperar a mesma repercussão que a de uma resenha sobre John Green. 

Eu sou uma dessas pessoas que deixou o canal em silêncio, para só depois de já ter averiguado muita coisa tentar dizer algo sobre o assunto. E uma coisa que eu percebi estando entre o público do canal é que, diferente de muitas pessoas que disseram "sempre terem percebido um resquício de conservadora nela", eu nunca, nunca mesmo imaginei que um dia alguém como Tatiana Feltrin, que já fez resenhas ótimas de livros do Carl Sagan e de livros LGBT como "Ovelha" e "Will e Will", um dia diria que  "concorda 80%" com um livro como o Imbecil Coletivo. Eu não sei, mas pelo que eu vi nos comentários de muita gente que abandonou o canal e pela minha própria visão como público dela, as coisas simplesmente não batem. Alguém como a Tatiana Feltrin que eu via nesses vídeos nunca concordaria com um livro que diz coisas como essas, por exemplo:




            Pra ser justa, ela de fato faz ressalvas contra esse e outros pontos do livro, como as visões pejorativas e conspiracionistas do Olavo de Carvalho sobre homossexualidade, maconha e aborto, por exemplo. Mas ela não chega a citar essa parte sobre religiões afro, que também é bastante estranha:





Fora isso, também tem algumas contradições e desinformações sobre o autor que a Tatiana faz ao longo do vídeo, dentre elas:



1- "Ele não fez um curso de filosofia e não tem esse diploma, mas e daí?" Ele não tem diploma de filosofia e nem formação como professor: na verdade, ao que parece ele saiu da escola na quarta série do ginásio, o que hoje corresponderia à oitava série. E por vontade própria, segundo essa postagem no facebook.




2- "Ele foi astrólogo, Fernando de Pessoa também." Na verdade, não preciso apontar esse fato como demérito. Seria aceitável que ele fosse astrólogo ou desse cursos de astrologia, mas a partir do momento em que ele cita Newton como um exemplo de como a experiências científicas foram desnecessárias para o estabelecimento de leis da física ou diz que Galileu não podia provar que a terra gira em torno do sol, e portanto, o heliocentrismo está errado, acho que ele está saindo do campo da astrologia e enfiando o nariz dele no que claramente não é algo que ele domina;

"Tudo vale a pena quando a alma não é pequena. But man..."


3- "Ah, quem nunca soltou um palavrão, não é mesmo?" Isso vindo da pessoa que sofreu ataques massivos por causa desse mesmo vídeo? Estranho. Se palavrões são tão comuns e não ofendem, então ela deveria tentar se colocar no lugar de alguma das pessoas que já foram insultadas por esse senhor.  


4- "Olavo estava sendo irônico quando falou da notícia sobre fetos abortados na Pepsi."  Na verdade ele estava falando sério na ocasião e tinha entendido errado mesmo, tanto é que ele gasta todo o tempo nesse vídeoem retórica interminável e cheia de falácia do espantalho para tentar se livrar da vergonha depois de ter sido refutado por um biólogo a respeito. Não era ironia, o Olavão acreditou mesmo nessa história bizarra e propagou isso como verdade, chamando as pessoas que bebem o refrigerante de "abortistas terceirizados".


5- "O documentário sobre ele, O Jardim das aflições, foi proibido de ser exibido."  Na verdade, isso nunca aconteceu. O que aconteceu foi que em diversas vezes ocorreram conflitos entre grupos de militantes contrários (fonte aqui e aqui).


Eu entendo que é humanamente impossível saber tudo sobre o autor de um livro resenhado, mas com uma ou duas buscas no google, não é difícil achar esses dados mais controversos sobre a biografia dele. Isso é muito esquisito, porque nos vídeos da Tatiana, sempre ficou claro pra mim o cuidado que a booktuber tinha em cada resenha, falando sobre os autores e suas obras. Ela não fazia resenhas aprofundadas sobre os livros, é verdade, mas ela nunca foi tão negligente assim ao ponto de negar pontos polêmicos de um autor. Quando ela falou sobre Monteiro Lobato, por exemplo, ela não deixou de abordar a questão das acusações de racismo que o cercam até hoje. 

E veja, o problema não é ela ter defendido o Olavo de Carvalho na resenha, mas sim ter lançado mão de meias-verdades. Fica a impressão de que a Tatiana Feltrin não pesquisou realmente as polêmicas sobre as quais ela se dispôs a falar, ou que escolheu dar essa versão da biografia dele. O que é bastante esquisito: se você quer defender o ponto de vista de alguém e principalmente esclarecer os fatos sobre essa pessoa, espera-se que você no mínimo tenha o tempo e a disposição de levantar esses mesmos dados e usar a verdade pra isso. Bastante estranho, pra dizer o mínimo.

            E se você chegou até esse ponto imaginando que todo o meu problema com essa resenha é por discordância política com o livro e o autor, eu tenho que dizer que não foi absolutamente o caso: eu não teria tido problema nenhum se ela tivesse feito uma resenha sobre algum livro do Pondé, por exemplo; não aprecio muito as obras dele, mas pra mim não teria feito a menor diferença. Meu problema é ela estar legitimando uma personalidade que, dentre outras coisas, sempre se mostrou arrogante quanto ao meio acadêmico e ao método científico, que é a base pra toda a ciência que temos hoje. 

Esse é o homem que disse coisas como "Vacinas matam ou enlouquecem" ou "O fumo não causa câncer de pulmão" e que nunca voltou atrás nessas questões. 




Pode olhar no twitter do cara, o tuíte continua no mesmo lugar. E isso foi em 2016... ou seja, faz meros três anos que ele disse isso pros seguidores dele, e o cara tem 446.109 seguidores até agora. Quem tem o mínimo de senso crítico sabe que negar imunização, além de ser totalmente errado do ponto de vista moral e biológico, é também CRIME, sujeito à multa e risco de perda da guarda dos filhos. 

De acordo com essa matéria do Estadão, no mesmo ano de 2016 a cobertura da segunda dose da tríplice viral que protege de sarampo, caxumba e rubéola foi de apenas 76, 7% do público-alvo. Por causa de irresponsáveis como esses, crianças já morreram e outras mais correm risco de morrer de doenças que tinham sido praticamente ERRADICADAS do país. Simplesmente por uma desinformação compartilhada por pessoas que se acham as donas da razãosem terem sequer se sujeitado ao escrutínio alheio (pra usar uma expressão que o Olavo gosta).

Muitas pessoas nunca presenciaram as epidemias que ocorriam no Brasil até os anos 60 e 70, e por isso não têm ideia do perigo que a volta de doenças como essa representam. Deixo aqui algumas fotos que encontrei de crianças afetadas por doenças como pólio, sarampo e rubéola, todas com vacinação na rede pública. São fotos chocantes, aviso:

menina afetada pela poliomielite


Menino de 7 meses morto por sarampo (fonte)





criança afetada por rubéola



E também teve o dia em que ele disse que a saliva transmite Aids, o que é mentira, e ainda insinuou que o deputado Jean Wyllys teria a síndrome por ser homossexual... baixaria e desinformação pouca parece ser bobagem pra ele. Sobre o caso, ele aparentemente nunca se retratou, mas sua atitude foi condenada pela Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia).





A essa altura, alguns podem estar pensando "Mas Jéssica, a Tatiana podia não saber disso! Além do mais, ela disse que concordou com o livro dele apenas, não com esses absurdos!"

Ok, muito justo. Mas quem disse que o livro dele está livre de coisas do mesmo calibre? E não, eu não estou falando dos trechos mencionados pela Tatiana na resenha dela. Estou falando de coisas como a naturalização da violência durante a Ditadura Militar no Brasil, como fica claro nesses trechos:



É muito fácil criticar os movimentos revolucionários de esquerda que participaram da luta armada na época e dizer que eles queriam implantar o comunismo como resposta à ditadura e não defender a democracia. Existe muita coisa pra ser elucidada sobre o assunto, mas o consenso geral é o de que, se a luta armada não queria a democracia, os generais presidentes muito menos. E não é por que a ditadura militar durou ~apenas~ 20 anos que ela deixou de ser um episódio sanguinário na história do país e uma violência  contra o povo. Só pra comparar, a ditadura de Hugo Chávez sucedido por Maduro na Venezuela já dura 19 anos e ninguém diria que ela é suavepor isso. Eu sei o que Olavo está tentando fazer nesse trecho que a Tatiana citou no vídeo: ele está tentando colocar a Ditadura Militar como "o mal menor" que afetou apenas a intelligentsia do país, deixando o povo "intacto", ao contrário da URSS. O que ele ignora é que, ao contrário dessa visão, a Ditadura feriu sim muito mais do que meia dúzia de Caetanos Velosos: 




"Entre 1964 e 1985, o Brasil se modernizou, mas a desigualdade social aumentou, assim como a repressão política, a dívida externa e a inflação, que voltou a ser galopante nos anos 80." (fonte)

"Em 1973, no melhor ano, a produção subiu quase 14%. Foi a época de crescimento mais acelerado que o país já vivenciou, mas se tratava de um crescimento insustentável: o “milagre” dos anos 70 seria seguido pela “década perdida” dos anos 80, em grande parte devido aos erros estratégicos do próprio governo militar. [...] "em tempos em que prevalecia o discurso de que era primeiro deixar o bolo crescer para depois reparti-lo, grande parte da população jamais recebeu sua fatia: no fim da década de 80, quase metade da população seguia recebendo menos que dois salários mínimos. [...] 





"O caos econômico deixado de herança pelo regime militar levaria mais uma década até ser debelado pelos governos civis, com os brasileiros convivendo com a hiperinflação até a adoção do Plano Real, em 1994. [...] "Projetos faraônicos que sugaram recursos públicos sem entregar o prometido, como a Transamazônica, também povoaram o período. Nos dias da repressão, a fiscalização do poder por parte da sociedade civil era inviabilizada com a imprensa cerceada. Com a imprensa sob censura e jornalistas sendo perseguidos, as denúncias não apareciam e tudo ocorria com uma aparência de normalidade e idoneidade. [...] 




"A impressão de que havia mais segurança pública durante a ditadura é outra meia-verdade: se, em geral, os números costumavam ser menores do que hoje, não é verdade que o período militar tenha sido particularmente seguro na história brasileira. Pelo contrário: a criminalidade só subiu durante a ditadura, iniciando a tendência que continua até hoje." (fonte)



Ao contrário do que o "professor Olavo" faz parecer, a ditadura não foi um problema apenas para uma elite de intelectuais esquerdistas, mas também atrapalhou e impediu as investigações de pelo menos três casos de desaparecimento, sequestro e assassinato de crianças na época:




 "O caso de Ana Lídia Braga, que abre esse texto, não foi o único do tipo a vir à tona e ser posteriormente silenciado durante a ditadura. No Espírito Santo, também em 1973, o estupro e morte da menina Araceli Crespo, de oito anos, levantou suspeitas contra membros de famílias influentes do estado – entre os nomes citados no caso apareciam Paulo Constanteen Helal e Dante Michelini, de clãs ligados ao regime – e acabou não sendo levado adiante, além de sofrer censura na imprensa. Como no caso de Ana Lídia, ninguém foi punido. " (fonte). 




Casos como o desaparecimento do menino Carlinhos em 1973 entraram para o imaginário popular por continuarem sem solução até hoje. (fonte

Uma música feita em referência ao caso chegou até a ser vetada pelo governo: "A balada pergunta “onde ele está / e o que fizeram / com meu pequeno amigo?” e foi considerada perigosa pelo governo militar, pois faria referência a desaparecidos políticos." (fonte)


"Além das mortes famosas, outro tabu entre os defensores da repressão é o sequestro, prisão e tortura de crianças por parte do regime. Filhos de militantes suspeitos de envolvimento na luta armada, essas crianças foram fichadas como “elementos subversivos” pelo DOPS. É o caso, por exemplo, de Ernesto Carlos Dias do Nascimento, de um ano e três meses de idade, preso junto com os irmãos de 4, 6 e 9 anos, todos filhos de um casal ligado à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) de Carlos Lamarca, considerados alguns dos presos mais jovens da ditadura. Também são numerosos os relatos de sobreviventes, homens e mulheres, que sofreram estupros e outras torturas sexuais na prisão, além de casos de mulheres grávidas que foram obrigadas a parir enquanto se encontravam detidas em condições insalubres. " (fonte)


Falar em número de vítimas e com isso justificar que "essa ditadura foi menos sanguinária que aquela" é o mesmo que ignorar as vítimas indiretas desses crimes, os indígenas assassinados na construção da Transamazônica, pessoas torturadas que sobreviveram. Muitas dessas mortes nunca foram contabilizadas. Existe um livro chamado "Holocausto Brasileiro" da autora Daniela Arbex, fala sobre um manicômio em Barbacena, em Minas Gerais, onde pelo menos 60 mil pessoas viveram e morreram em condições degradantes entre 1903 e 1980: 



Segundo o livro-reportagem, cerca de 70% das pessoas não tinham diagnóstico de doença mental: “Foi o momento mais dramático. A partir de 1930, os critérios médicos desapareceram. Em 1969, com a ditadura, o caso foi blindado. Não gosto de chamar assim, mas (entre 1930 e 1980) foi um período negro. Foi criado para atender pessoas com deficiência mental, mas acabou sendo usado para colocar pessoas indesejadas socialmente, como gays, negros, prostitutas, alcoólatras”, contou.




Pode-se dizer que a ditadura militar não criou o manicômio, mas ela tampouco mudou o ritmo das coisas, pelo contrário:  entre 1969 e 1980, existem registros de venda de 1.853 corpos de internos, chamados de "peças" pelos funcionários. A venda de corpos para faculdades de medicina gerava uma renda de 600 mil reais em valores atualizados. Uma denúncia havia sido feita na revista O cruzeiro, em 1961, e Jânio Quadros chegara a dizer que mandaria dinheiro para o hospital Colônia, mas nada foi feito até 1979, quando a reforma psiquiátrica ganhou fôlego, mas ninguém nunca foi punido pelo genocídio. 




Mesmo que o número de vítimas calculado e estimado ainda assim seja menor que o da URSS, quando se considera o extermínio da oposição, a ditadura militar brasileira leva o prêmio: "Usado pela CIA, pelo governo americano e acadêmicos do país, o estudo Polity IV  é uma classificação dos regimes históricos e atuais feito pela ONG Center for Systemic Peace (“Centro para Paz Sistêmica”), criada e patrocinado pela Political Instability Task Force (“Força-tarefa da Instabilidade Política“), fundada pela CIA  em 1994. [...] A nota do Brasil no pior período da ditadura é pior que a de Cuba (-7) e da União Soviética pós-Stalin (-7). O -9 é idêntico ao da União Soviética no final do período Stalin, do Camboja de Pol Pot e a China durante a Revolução Cultural (a nota da China de hoje é -7). Exemplos de -10 são a Coreia do Norte de hoje e o Haiti de Baby Doc Duvalier. [...] A metodologia do estudo (veja ao final), não trata o número de mortes causadas por um regime, mas se ele está ou não exterminando a oposição." (fonte )



Concluindo, me pergunto que intenção tem aqueles que negam os horrores dessa época e tentam "suavizar" a visão geral que se tem da ditadura militar no Brasil. Se negar as atrocidades de Maduro ou Fidel Castro soa monstruoso pra essas pessoas, porque fazem o mesmo com os generais presidentes?




Tatiana disse em seu vídeo que O Imbecil Coletivo não é um livro sobre política, e sim sobre cultura; mas se é esse o caso, então a cultura mostrada aqui não deixa de ser a cultura exaltada pela extrema direita, hoje chamada por seus integrantes de "direita alternativa". É uma tática muito comum atualmente, dar novos nomes a coisas reprováveis para ver se assim tornam-se mais aprováveis por pessoas incautas. É assim que o "racismo" torna-se "realismo racial" nesses grupos e a "ditadura militar" torna-se "movimento de 64". Esse tipo de revisionismo histórico a principio pode parecer inofensivo, como uma visão alternativa dos fatos, mas logo se torna o combustível de movimentos segregacionistas e com características fascistas bem marcadas.



Segundo Edgar Morin em "A cabeça bem-feita", colocar-se em posição de "professor" ou mestre e manipular ideias e visões em detrimento do real não é algo perigoso à toa: 

"As ideias não são apenas meios de comunicação com o real; elas podem tornar-se meios de ocultação. O aluno precisa saber que os homens não matam apenas à sombra de suas paixões, mas também à luz de suas racionalizações."  


Em tempos onde projetos como "Escola Sem Partido" despontam pelos clamores da autodenominada "nova direita", é estranho pra não dizer hipócrita que as pessoas que em tese defendem menos doutrinação nas escolas sejam elas mesmas grandes doutrinadoras. Os mesmos que tentam "suavizar" a ditadura são aqueles que querem distorcer a história e colocar na conta da esquerda o Nazismo, visto que esse parece ser o último obstáculo para a elevação de uma direita "pura e intocada pelo autoritarismo". 



Essa direita conservadora que se alia a essa extrema direita em um "enorme abraço hétero" mostra dessa forma que se proclamar a detentora da verdadeira "alta cultura" e dos "verdadeiros valores" da população não basta para eles: querem empurrar todos que ascenderam no meio social pelo progressismo, de volta para o lugar onde estavam, usando para isso o ressentimento que sentem por qualquer um com "privilégios" percebidos por eles.  O negacionismo científico entra na mistura quando se alia ao obscurantismo e fundamentalismo religioso dessas vertentes. E nada de bom pode sair disso.





Eu não quero estender este artigo mais do que já está. Com a leitura do livro e a minha reflexão sobre a resenha da Tatiana Feltrin, fica claro pra mim que a reação histérica de algumas pessoas pode ter influenciado na avaliação dela desse livro, visto que O Imbecil Coletivo é um grande compêndio do ressentimento de Olavo de Carvalho pelos acadêmicos, principalmente os de esquerda. Não só eles, mas também qualquer pessoa que ele identifique como parte desse "imbecil coletivo", que estando num consenso que não o favorece, não são dignos de serem considerados com o respeito que se deve aos discordantes.  

O pouco que parece fazer sentido no livro se deve mais ao senso comum que realmente pela qualidade do conteúdo, recheado de falácias que dão ao leitor a sensação de estarem diante de uma revelação vinda direto de Matrix, sem realmente nunca apresentar um conteúdo substancial ou mesmo correto na maioria das vezes (muito semelhante a certos canais do Youtube que proliferam atualmente). A única mensagem que transparece nele é: "Eu sou Olavo de Carvalho, estou sempre certo e todo mundo me persegue e me critica porque são desonestos e incultos, esses retardados". O sentimento que permeia a obra como um todo é a de um pretenso intelectual que fala e escreve como se estivesse numa ilha de sabedoria, cercado de um mar de idiotas que, infelizmente, não o consideram detentor da verdade máxima e incontestável. Sinceramente, eu sinto um pouco de pena até: deve ser difícil pensar no próximo jogo de palavras bem ensaiadas para usar cada vez que alguém rebate uma ideia dele. 


"Não destrua a realidade que eu criei, PORRA!!!"


Ao mesmo tempo, penso que a reação desproporcional de alguns seguidores da Tatiana desde o início definitivamente contribuiu e continua contribuindo para que mais pessoas se voltem para a direita conservadora e extremada numa tentativa de "lutar contra o politicamente correto" ou ao menos se defenderem da turba na qual a militância facilmente se transforma nessas ocasiões. Apesar de alguns excessos, eu considero que os movimentos sociais ainda são muito, muito necessários.

 
Existem sim, feministas e ativistas comprometidos com suas causas e que respeitam o esforço histórico de tantos outros que nos colocou onde estamos. Mas também existe muita gente que não faz a menor ideia do que está fazendo e só quer se promover às custas de uma causa. E isso tem em todo lugar. O importante é lembrar que não é com gritaria e com acusações desenfreadas que as coisas vão mudar necessariamente. 



Por outro lado, manifestações como a de Charlotesville pra mim mostram uma face odiosa do ser humano e eu considero complicado se manter indiferente em momentos como esse. Imagino que existem formas não-violentas de se reagir quanto a esses movimentos neo-nazistas que se propagam pelo mundo, mas fica a questão de até que ponto se deve permitir a expressão de grupos que ameaçam a livre expressão ao longo prazo, como o paradoxo de Karl Popper mostra. 






Dito isto, não tenho motivos pra não achar que esse episódio todo não foi outra coisa senão uma desgraceira só: alguém como a Tatiana Feltrin, que deve ser a booktuber com o maior número de inscritos no Brasil,  se posicionar de maneira "80%" positiva ao livro de uma das figuras mais exaltadas pela direita extremista, conspiracionista e reacionária, num ano em que inúmeros representantes desse mesmo setor foram eleitos, é muito amargo de engolir e eu acho que força um pouco o conceito de ser alguém neutrocom relação a "levantar bandeiras", como ela mesma se declara. Um vídeo como esse no momento em que o próximo presidente é alguém que construiu sua reputação em cima de declarações explícitas de racismo, sexismo e homofobia sob pretexto de estar rompendo com "uma ditadura marxista" é, no mínimo, deprimente. E levando em conta que o tal considera Olavo como seu "guru", meu soa bastante preocupante também. Desconsiderar tudo o que esse "intelectual" fez e ainda faz iludindo as pessoas com seu discurso  cheio de conspiracionismo e negacionismo científico não só é desonesto, como é incentivar as pessoas a entrarem numa espiral de questionamentos de onde elas não saem mais inteligentes, mas o contrário. 




Eu ainda tenho muito apreço ao tempo que passei assistindo as resenhas da Tatiana Feltrin, gosto muito do trabalho dela nos especiais de Halloween e agradeço imensamente por ela ter me apresentado Edgar Allan Poe. Mas numa época igual a essa, num tempo como este, eu prefiro alguém que se mantenha mais crítico quanto a figuras como Olavo de Carvalho, que tanto alimentam as conspirações e os ressentimentos dessa "onda conservadora", um movimento que ao meu ver atualmente põe muito mais em risco a liberdade individual e de expressão do que os infames deslizes dos guerreiros da justiça social. Basta ver quem são os representantes dos principais países atualmente e checar qual a agenda deles; definitivamente "lacrar muito no facebook e no twitter" não deve estar entre as prioridades.




            Por último, pra quem estiver procurando outro canal literário pra assistir, pode dar uma conferida no canal da Isabella Lubrano, o Ler Antes de Morrer. 

E também indico os canais Primata Falante e o Canal do Pirulla, que são atualmente dois dos melhores canais de ciências no Youtube brasileiro atualmente.
  
E pra quem quiser conhecer um bom canal sobre movimentos sociais, sugiro esse vídeo do brilhante canal Espectro Cinza, da Glenda Varotto, o canal feminista mais bacana atualmente (sim, é o melhor cumprimento que eu consigo pensar, perdão) e talvez uma das poucas youtubers verdadeiramente racionais e críticas que ainda existem pela internet. Na verdade, o canal dela é tão bom que eu recomendo ele inteiro, assistam todos os vídeos agora, vão, VÃO!

Por último, deixo esse vídeo do Carl Sagan, que considero emblemático sobre o problema da razão frente ao obscurantismo que, de tempos em tempos, reaparece para testar até onde o ser humano está disposto a abraçar suas crenças pessoais em detrimento da realidade.



E pra quem não podia ver a hora do artigo acabar ou nem mesmo leu (o que pode ser um paradoxo agora), o próximo será sobre um romance policial cujos protagonistas são gângsteres mordazes que vivem sob o manto da noite e não poupam ninguém de seus ataques... Sim, estou falando de gatos, é claro!



Aguardem.

Resenha de mangá: O marido do meu irmão

  Eu vinha escrevendo essa resenha desde agosto, mas só agora em outubro que eu consegui atualizar o blog... Pra vocês verem. Não sei se foi...