Leia no Wattpad!

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Tartarugas até lá embaixo e o ódio ao John Green




Olá, amores! Como estão? Enchendo a cara no carnaval? Lembrem-se, ambiente de música é ambiente de droga, e Jesus Cristo não tolera drogas!!! Adolescentes baderneiros...

E falando em puberdade, o que pode ser mais representativo dessa época de hormônios à flor da pele do que os livros do John Green? Sim, João Verde e sua obra mais recente são os temas desta resenha.

"Modinha, mimimi, traidora dos clássicos, morra!!!"

 Hum...

Bem, digamos que existem dois tipos de pessoas na internet: as que amam John Green, e as que o detestam. Na verdade, também existem as que não se importam, mas quem liga, não é?

O fato é que qualquer coisa que faça sucesso automaticamente passa a ser odiada e tratada com amargor por pessoas ressentidas e isso é quase lei para os livros voltados ao público teen ou young adult. Não faz muito tempo debatia-se se Crepúsculo seria ou não um dos quatro Cavaleiros do Apocalipse, mas eu acho que todos se precipitaram nesse caso.


 
Quadrilogia Cinquenta Tons, mais conhecida como "a Peste, a Guerra, a Fome e a Morte"




Piadas à parte, eu realmente acho que literatura não é para ser elencada em "melhor" ou "pior". Claro, existem livros bons e ruins, mas essa necessidade das pessoas em provar que as outras estão erradas em gostar de certas coisas não é só cansativa, mas também injusta por que livros voltados para adolescentes do sexo feminino são os que recebem a maior parte da carga negativa, assim como vários outros segmentos da mídia voltados pra esse público.

E se você não acredita, compare a quantidade de resultados para um filme como "Transformers", e depois para Crepúsculo:



"Ah, Transformers é ruim, mas é divertido, você sabe..."



"Kill it! Kill it on fireee!!!!"


Na verdade, esse raciocínio não é meu, mas da excelente Lindsay Ellis, antes conhecida como Nostalgia Chick. Recomendo muito o vídeo dela sobre o assunto (em inglês).




Mas voltando ao tema, os livros do John Green recebem sua parcela de ódio em parte pelo gênero e pelo conteúdo deles e em parte pelo autor que, apesar de adulto, age como um adolescente vlogueiro esquisito. Hum, isso me soa familiar...

"Quem colocou essa imagem aqui?"

Pessoalmente, eu discordo. Não acho o João Verde um adulto tentando se passar por adolescente vlogueiro. Ele é só um autor de livros juvenis que fez sucesso e tem um canal, e é um puta canal. Ele e o irmão, Hank, são muito inteligentes e sempre trazem assuntos atuais. Na verdade, A série do Crash Course é praticamente um apanhado de tudo que a gente estuda (ou que os americanos estudam, melhor dizendo) e que não aprendemos direito na escola. História, Física, Química, e olha só, Literatura! Recomendo e amo de paixão esse canal. É em inglês, mas alguns vídeos estão com legenda se não me engano.

E não, eu não vou fazer a piadinha do "Enquanto a gente tem os irmãos Neto, eles lá tem os irmãos Green.", tá. Não insistam.

Mesmo que alguns achem estranha a proximidade do John Green com seu público formado principalmente por adolescentes do sexo feminino, não acho que isso seja um problema em si.Talvez as atitudes dele frente ao rebosteio usual da internet sejam mais passíveis de crítica, mas isso não vem ao caso. O que eu quero apontar é que o mero fato de ele ter escrito cenas de sexo (implícito, diga-se de passagem) entre adolescentes não deveria ser usado como demérito do trabalho dele, porque: 1- adolescentes fazem sexo, superem isso; 2- autores não são suas obras.

Digo isso porque existe a crença equivocada de que o conteúdo dos livros reflete necessariamente o caráter de seus autores. Claro que a subjetividade de cada um afeta o modo como se vê o mundo e como ele é traduzido através da literatura, mas gente... Se fosse esse o caso, J.K. Rowling seria uma bruxa da Ordem de Merlim, Vladimir Nabokov seria um pedófilo, e o Stephen King, só Deus sabe o que ele seria...



Outro argumento para justificar o ódio aos livros dele é a "falta de substância":  "Ain, as situações e os personagens são tão "first world problems", e os protagonistas são sempre adolescentes com crise de identidade e discursos existencialistas que ninguém tem (sic)." 

Okay, acho que existe uma certa razão aí, mas não concordo 100% com esse argumento. Porra, Hazel Grace e aquele menino que colocava o cigarro na boca sem fumar não estavam só passeando na casa da Annie Frank (o que é um lugar estranho para um encontro): eles estavam refletindo sobre a efemeridade da existência. Os dois tinham câncer, os dois podiam morrer à qualquer hora, mas escolheram viver a paixão deles apesar disso. 

E, bom, eu só li A culpa é das estrelas. Na verdade, eu vi o filme primeiro e depois eu li o livro pra comparar....

Tá, foi metade do livro... 

...

Okay, só as partes interessantes, mas mesmo assim! 

O meu ponto é: É uma historinha meio forçada pra fazer a pessoa ficar tristinha sobre um casal lindo cujo o amor deles não-podia-ser e acaba encontrando seu trágico fim? É.
Isso torna o livro ruim? Não.

Por que existe uma coisa chamada expectativa, ou convenção de gênero. Não tenho certeza se é esse o termo e tô sem saco pra procurar. O fato é que todo gênero literário tem que cumprir certas premissas e expectativas do leitor, então um livro de mistério tem que necessariamente envolver algo a ser desvendado.Um romance romântico terá uma história de amor, e assim por diante. Dessa forma, apontar uma característica fundamental do livro como um motivo pra ele ser ruim não é só injusto, como também demonstra certa ignorância e arrogância da pessoa que critica. Não é por que você não gosta de romance cheio de drama e etc que ninguém pode gostar. Não é por que você acha livro de adolescente, YA, fútil que todo mundo tem que achar. Aliás, isso vale pra todos os gêneros.

Claro que observando-se as convenções que  todo gênero literário tem, você pode tecer sua crítica, apontar porque você acha o livro fútil, insignificante, idiota, bestial, bla,bla,bla...

Como eu sou sincera e humilde, eu não vou ficar defendendo A culpa é das estrelas sendo que eu pulei o livro quase todo. Não. Mas, contudo, entretanto, todavia, eu li Will e Will, por exemplo, sem pular muitas páginas (só esperando pra ver se os meninos do livro iam se pegar...heheh) e eu posso afirmar, sem muita dúvida que John Green é o John Green, escreva o livro que ele escrever, pode ter certeza que terá um dos seguintes elementos:

1- Protagonista nerd apaixonado por menina incomum, mas bonitinha;
2- Uma obsessão;
3-Adolescentes com questionamento existencial e inteligência acima da média;
4-Amigo esquisito do protagonista
5-Um trio, quarteto de amigos
6-Um objetivo ou missão que não faz muito sentido no fim das contas.

Enfim, não sei se algo ficou de fora, mas pesquisando meio que deu isso. E, bem, não tem muito como defender o John nessa, alguns livros dele são meio formulaicos e, aparentemente, sem conteúdo. Mas eu não considero a mera repetição um problema em si. As pessoas sempre querem mais do mesmo. Elas se sentem bem consumindo o que conhecem. Por isso existem séries com cacetadas de livros, os mesmos personagens ou tipos, numa história que poderia terminar em dois ou três volumes mas se arrasta por quase trezentos...




A mesma ideia martelada seis mil vezes...


Eu admito que eu tenho uma certa invejinha desses autores. Afinal, deve ser incrível conseguir encher a burra de dinheiro usando a mesma ideia e a mesma formulinha... Bom, não custa sonhar, né mesmo?

Agora, a pessoa que clicou no post deve estar pensando "filha da puta, termina logo de lamber as bolas do John Green e fala do livro novo dele, caceta!"

Ok...

Tartarugas até lá embaixo. 

Eu fiquei com vergonha de comprar o livro por causa do título.

É, eu tenho uma mente poluída, então assim que eu bati o olho no "lá embaixo" do título, automaticamente eu pensei numa piadinha escrota. Isso me faz pensar em como é inútil nós autores nos preocuparmos tanto com o conteúdo dos nossos livros, o título... Não adianta, quando ele for traduzido alguma sacanagem vai acontecer e daí você descobre que alguma coisa do seu livro remete a tudo que você não queria. Ai, ai...

Onde eu estava? Ah sim, as tartarugas. Não, elas não aparecem na história pra azucrinar ninguém, elas são metafóricas. Aza Holmes, a protagonista, é uma adolescente com TOC, ou transtorno obsessivo-compulsivo. No caso, o livro é em parte, uma historinha do John Green sobre amizade, caça a um político corrupto e pai ausente, e sobre a assustadora realidade que é viver com um transtorno mental.

A outra parte do livro é uma história muito bem construída sobre amadurecimento da Aza e de como ela vai percebendo que por mais atormentadora que sua existência seja por vezes, é sempre possível encontrar formas de lidar com ela. A espiral da capa é uma referência direta à metáfora que a adolescente usa (e eles usam MUITAS metáforas) pra falar de sua mente e seus processos. A espiral é a prisão dela, uma prisão invisível, impenetrável, que a ameaça dia e noite: ela é sua própria prisão.




Falando desse jeito eu dou a impressão de que este é um livro pesado e dramático, mas muito pelo contrário: John Green repete a mesma mágica de A culpa é das estrelas, tratando de assuntos que são tabus pra maioria com uma leveza e senso de humor que eu gostaria de levar pra vida. As interações entre Aza e sua amiga Daisy são maravilhosas, com direito à shippagem de Chewbacca x Rey, diálogos sobre nudes e lagartos que herdam milhões.

O tuatara, atual mais bem colocado na Forbes.


As próprias tartarugas na verdade são uma referência a uma história sobre um cientista dando uma palestra de astronomia, explicando que estamos num planeta dentro de uma galáxia e etc e tal, até que uma senhorinha (que devia ser uma terraplanista, pelo jeito) reclama:  “O que o senhor acabou de falar é bobagem. Na verdade, o mundo é um prato achatado apoiado no dorso de uma tartaruga gigante.” O cientista então pergunta em que a tal tartaruga gigante estaria apoiada e a senhorinha responde: “Em outra tartaruga. Uma tartaruga abaixo da outra. Há tartarugas até lá embaixo.”.





Ao fim do livro, Aza menciona esse causo:
"Quando Daisy trocou para uma música mais romântica, que apenas ela e Mychael cantaram, me vieram à mente as tartarugas até lá embaixo. Fiquei pensando que talvez tanto a senhora quanto o cientista estivessem certos. Afinal, o mundo tem mesmo bilhões de anos, e a vida é produto de mutações nucleotídicas e tudo mais. Mas o mundo também são as histórias que contamos sobre ele."

O tormento de Aza é existencial, ela questiona todos seus pensamentos e atitudes, sem conseguir definir se ela é quem dita os acontecimentos ou se é o contrário. Sua vida muitas vezes parece predeterminada por seu transtorno, e ela sofre por simplesmente existir. 

Sem querer dar spoilers, mas ao fim, quando ela encontra respostas aos seus questionamentos, ela parece identificar que no fundo, somos todos uma mistura do que nos é oferecido e do que nós nos propomos a realizar. Produto do meio e produto de nós mesmos, da nossa própria natureza e nossas escolhas.



"O importante não é o que fazemos de nós, mas o que nós fazemos daquilo que fazem de nós." JEAN PAUL SARTRE (1905-1980).

Falando pessoalmente, eu diria que esse livro mexeu muito comigo. Ultimamente eu não tenho passado por uma fase muito boa na minha vida, e posso dizer que por mais exagerado que o toc da Aza pareça, ele é muito real. Eu passei a ter mais contato com essa realidade há pouco tempo atrás, por conta de uma pessoa muito querida minha. E é de certa forma muito doloroso pra mim afirmar que essa maldita doença  existe, que muitas pessoas a têm e sofrem sem sequer saber que existe tratamento, ou quando sabem, mal o conseguem pelo nosso sistema precário de saúde. O meu sofrimento é o de alguém que vê esse transtorno de fora, num ente querido, mas imagine a dor de uma pessoa que convive com esse problema, 24 horas por dia.

Eu acho que o John Green se superou desta vez. Eu nem preciso ler os outros livros dele pra dizer isso porque esse livro é muito bom, e o mais importante, deve ser o livro mais verdadeiro que ele já escreveu, porque essa também é a realidade dele:

"Há anos que trabalho em Turtles All The Way Down e estou animado para compartilhar essa história com os leitores, em outubro. É minha primeira tentativa de escrever diretamente sobre o tipo de distúrbio mental que afeta minha vida desde a infância, então, embora seja uma história ficcional, também é algo muito pessoal.”




Talvez vocês não saibam, mas eu sou formada em psicologia. É, dizem que todo escritor tem um plano b caso a carreira dê errado, mas eu levo com muita seriedade uma profissão cuja tarefa é cuidar da mente das pessoas. 

Então, como psicóloga, o meu apelo é: se você por acaso conhece alguém que misteriosamente se atrasa para compromissos com frequência, apresenta machucados que nunca cicatrizam, tem tiques, confere várias vezes uma determinada coisa ou pede confirmações suas sobre algo aparentemente inofensivo, todos esses podem ser indícios de que essa pessoa precisa de ajuda. Então, por favor, não menospreze essa pessoa, não a maltrate, não julgue, não a envergonhe. Ela não faz por mal. Ela não tem escolha. Ela está sugada por uma espiral cuja saída só se torna possível quando ela tem acesso à compreensão, apoio e tratamento. Não a aborde com um diagnóstico, apenas ofereça sua presença, ofereça informação. E principalmente, ouça o que ela tiver a dizer.

Por que, como diz a própria Aza: "Qualquer um pode olhar para você, mas é muito raro encontrar quem veja o mesmo mundo que o seu.".



















Resenha de mangá: O marido do meu irmão

  Eu vinha escrevendo essa resenha desde agosto, mas só agora em outubro que eu consegui atualizar o blog... Pra vocês verem. Não sei se foi...